Pensamentos acerca de uma Reforma

Renan Almeida

Martinho Lutero afixando as suas 95 teses
à porta da Capela de Wittemberg
A Reforma Protestante, enquanto fenômeno histórico, é de dificil compreensão e um conjunto de emaranhados que não se pode interpretar facilmente e enquanto fenômeno espiritual é a providência de Deus para a restauração da igreja, arrancando-a de um período de trevas e negligência e transportando-a para o seio da fé cristã, isto é, a Graça como meio eficaz de salvação e tão somente a Graça como meio pelo qual a Soberania de Deus é reconhecida.
Lembro-me que há um pouco mais de 1 ano, eu fiz a primeira postagem desse blog falando acerca da Reforma Protestante e a necessidade que temos de uma segunda reforma. Não foi um texto rico em versículos ou em argumentações teológicas, talvez tenha sido mais um desabafo ou um grito de minha alma. Às vezes precisamos gritar ‘violência’ a fim de que nosso coração se esvazie da dor que carrega em si mesmo.
Novamente penso em desabafar um pouco, no entanto de forma mais reflexiva, e talvez isso seja um problema ou talvez me seja uma solução para que eu encontre respostas pelas quais tenho procurado. Achei por bem escrever apenas agora apesar de amar intensamente o dia 31 de outubro por reconhecer que Deus decidiu mudar novamente a história nessa data e mudou radicalmente. O meu desabafo não será algo livre, mas quero pensar acerca da “Reforma Protestante: A Verdade e a Preocupação que ela causa” à luz da verdade revelada no livro de Neemias. Para uma análise melhor organizada, dividirei minha reflexão em 10 tópicos conforme discriminados a seguir:

1. Antes da Reforma vem a dor e a intercessão
2. Disposição para a obra se faz preciso.
3. As ações de um “reformador” são fundadas naquilo que Deus diz e/ou ensina.
4. As pessoas certas se unirão na empreitada e pessoas más tentarão parar a obra.
5. Uma grande Reforma exige habilidade em ambas as mãos.
6. Um Reformador discerne o tempo e a maneira de Deus agir e faz isso comparando coisas espirituais com espirituais.

João Calvino

7. Um Reformador não se esquece de suas raízes, mas olha para o seu passado para ver o quão poderosamente Deus agiu e como Ele tem agido. (Ne 7)
8. É dever do Reformador fazer com que o conhecimento das verdades de Deus sejam ensinadas ao povo.
9. A obra de um Reformador é sempre dedicada ao Eterno Deus.
10. Um Reformador não desiste de sua obra até terminá-la e terminar a obra implica em não menosprezar nenhuma das verdades de Deus.

Que Deus me conceda Graça nesse desabafo e espero que você tenha paciência para ler até o final.

1. Antes da Reforma vem a dor e a intercessão: As Escrituras Sagradas  afirmam que Neemias ao saber o estado de calamidade no qual se encontrava a cidade Santa de Jerusalém sentou-se e chorou, lamentou e jejuou (Ne 1:5). Quem era Neemias? era um homem preocupado com seu povo e com a situação deste. Ele não suportou ouvir que a cidade Santa estava destruída e que os seus irmãos ‘na fé’ estavam em grave estado de miséria (Ne 1:3). Deus não trouxe a revelação da necessidade de restauração de Jerusalém para um grande sacerdote ou para um rei, mas sim para um homem do povo e que talvez fosse um eunuco (e tal fato, de ele ser um eunuco, encontra apoio na situação de ele servir tanto ao rei quanto à rainha). Não há grandes dotes nesse homem, mas há piedade. Ele entende que Jerusalém deve estar de pé e que os israelitas não nasceram para viverem humilhados e pisoteados por outros povos (Dt 10 e 11). Para que uma Reforma ocorra não são precisos grandes dotes humanos, apenas faz-se necessária à consciência e submissão à vontade de Deus.

2. Disposição para a obra se faz preciso: No capitulo 2 do livro de Neemias, encontramos esse homem servindo o vinho ao rei, no entanto nesse dia Neemias encontrava-se triste pela situação de Israel. O vinho muitas vezes é tido como o símbolo da alegria e é paradoxal pensar que um homem triste estivesse “dando alegria” para que o rei bebesse. Neemias nunca estivera triste diante do rei (Ne 2:1) e aquilo acabou por chocar ao soberano, despertando a curiosidade deste que, por fim, questionou o motivo da tristeza de Neemias. Qual a resposta de Neemias? Neemias poderia dizer um “está tudo bem” ou “não se preocupe”, mas ele não faz isso. Ele prontamente disse “viva o rei para sempre! como não estaria triste o meu rosto se a cidade onde estão os sepulcros de meus pais está assolada e tem as portas consumidas pelo fogo?”.  Ousado? muito! mas a ousadia justificada desse homem; fundamentada na dor que é causada por aquilo que ele amava (Jerusalém, a cidade Santa onde Deus disse que poria o nome dEle eternamente) fez com que o rei ordenasse que ele pedisse o que desejava e Neemias diz que desejava reedificar Jerusalém.
Alguém forçou Neemias a tal obra? não! Aquele que se propõe a fazer uma reforma não pode ser obrigado, mas deve estar disposto e sentir a necessidade por conhecer, em alguma medida, aquilo que se passa no coração de Deus. O Reformador deve confiar nas promessas de Deus e desejar ser instrumento pelo qual essas promessas se tornam reais.

John Knox - Pai do Presbiterianismo
na Escócia
3. As ações de um “Reformador” são fundadas naquilo que Deus diz ou ensina: No verso 12 e 16 do segundo capítulo de Neemias, vemos que ‘ninguém sabia aquilo que Deus havia colocado no coração dele’. O coração de um reformador não é um coração que se inclina como um bambu, mas é firme e confiante naquilo que o Eterno Deus diz e ensina. Ele é sensível à situação de Jerusalém (igreja) e se recusa a ficar de braços cruzados enquanto  mesma continua queimada e destruída. Deseja ele que o povo tenha os seus braços fortalecidos para a batalha. Não é centralizador, mas é firme e espera que todos sejam participantes naquela reforma com a mesma alegria que ele possui (Ne 2:18 - 20).

4. As pessoas certas se unirão na empreitada e pessoas más tentarão parar a obra: Para todo Neemias existe um Sambalate e um Tobias. A questão para um Reformador não é “quantos inimigos possui”, mas sim “por que se tem tais inimigos”. O Reformador não se preocupa com o inferno lutando contra ele, pois entende que o fim de todas as coisas deve ser a Glória de Deus. A Glória de Deus é o fundamento da existência de um homem salvo e esse homem não se deixa persuadir pelas ameaças ou afrontas de homens irregenerados ou  até do próprio diabo. Enquanto se iniciam as ameaças, de forma paralela, alguns homens fortalecem suas mãos para a boa obra (Ne 2:18,19) e simplesmente esses alguns confiam que Deus concederá bom êxito na edificação dos muros.

Agostinho, Bispo de Hipona -
O pregador da Graça
5. Uma grande Reforma exige habilidade em ambas as mãos: Por volta do ano 430 d.C, quando 80 mil vândalos  estavam prestes a invadir a cidade de Hipona (que na época fazia parte de Roma), Agostinho ouviu falar que 2 bispos haviam sido torturados  e assassinados de forma fria. Um dos amigos de Agostinho citou a frase de Cristo “fuja para outra cidade” e Agostinho rebateu “Que ninguém ao menos sonhe em menosprezar nossa embarcação, pensando que os marinheiros e muito menos seu capitão, desertem esse navio na hora do perigo”. Um Reformador não pode fugir jamais (Hb 10:38-39), uma vez que por a mão no arado, não deve voltar sob hipótese alguma. Qual homem que decida se tornar um ‘reformador’ deve aprender a usar as duas mãos com destreza para que com uma segure a espada para que se defenda e com outra deverá segurar a pá a fim de que o trabalho não seja interrompido. O momento que mais irá irritar o inimigo de nossas almas será quando as brechas estiverem sendo fechadas em definitivo (Ne 4:17,18,23)

6. Um Reformador discerne o tempo e a maneira de Deus agir e faz isso comparando coisas espirituais com espirituais:  Um Reformador entende que a obra para o qual foi chamado é grande demais para desperdiçar sua vida ou para ser contrário às ordenanças do Eterno Deus (Ne 6:5). Neemias entendeu todas as artimanhas dos inimigos dele e em nada ele tropeçou, pois os propósitos que ele tinha eram de suma importância e ele se recusava a abandonar os projetos que Deus o havia revelado. ‘Então percebi quer não era Deus quem o enviara; tal profecia falou contra mim porque Tobias e Sambalate o subornaram’ - só reconhece a voz de Deus aquele que é submisso e que está disposto a arriscar tudo por amor ao Eterno Rei.

Thomas Cranmer, o Arcebispo da
Igreja Anglicana.
7. Um Reformador não se esquece de suas raízes, mas olha para o seu passado para ver o quão poderosamente Deus agiu e como Ele tem agido: Criou-se uma crença que ensina a cuspir nas tradições como sendo essas maléficas em todo o tempo. Rejeita-se o passado em nome da modernidade e em nome de ‘novas revelações’, mas a verdade é que só se reconstrói aquilo que foi derrubado e só se reconstrói para colocar outro de igual característica (ou com características semelhantes) no lugar. Se Neemias queria reconstruir Jerusalém, entende-se que ele seguiu o modelo anterior da cidade e no capítulo 7, vemos que Neemias mandou que fosse levantada a genealogia do povo de Israel. Genealogia? Sim! A genealogia é capaz de dizer quais as origens e o “caráter” daquela família e  esse costume estava enraizado na vida social e na religião do povo israelita. para se ter uma idéia, ninguém poderia oficiar na casa de Deus se não fizesse parte da tribo de Levi. O que isso significa? Ele não se contentou em restaurar os muros, ele restaurou seguindo um modelo previamente existente e depois fez o levantamento da história de Israel. Um Reformador entende que Deus assina em cada página da história da existência humana e por isso a história de Jerusalém (igreja) não pode ser menosprezada de forma alguma.

8. É dever do Reformador fazer com que o conhecimento das verdades de Deus cheguem ao povo: No capítulo 8 do livro de Neemias vemos o povo reunido como "um só homem" a fim de ouvir a leitura do livro da Lei. O Sacerdote Esdras inicia essa leitura e explica a verdade de Deus ao povo de forma que este compreendesse os ensinamentos. A tristeza e miséria de Israel se transformou em festa, pois a restauração se adiantava e já estava quase terminada. O povo é quebrantado (Ne 9) e faz aliança de guardar a Lei. A Questão é: Até quando a guardará?
John Huss, viveu cerca de 100 anos antes de
Lutero e profetizou o nascimento deste último

9. A obra de um Reformador é sempre dedicada ao Eterno Deus: Uma Reforma ou reconstrução de muros não é apenas algo feito sob a direção de Deus, mas é também em honra a Ele. Após a reparação do muro ser terminada, Neemias e o povo dedicam os muros da cidade ao Eterno Deus de Israel e para isso inicialmente se purificaram. Não ousemos oferecer a Deus algo sem antes nos purificarmos de nossas imundícias. Que nossas obras estejam focadas na busca da Glorificação e Exaltação do nome do Eterno Deus. Queres ser um novo reformador? então entenda que a Glória de Deus deve ser o teu alvo. Dedicar a Deus o fruto de nossas mãos e trabalho deve ser a causa e fundamento de nossa alegria soberana (Ne 12: 27-43)

10. Um Reformador não desiste de sua obra até terminá-la e terminar a obra implica em não menosprezar nenhuma das verdades de Deus: Jerusalém foi reconstruída, o livro da Lei foi lido, Esdras explicou aquilo que estava registrado no Livro, o muro foi dedicado a Deus, o povo se purificou e já sacrificou... o que mais falta? muitos poderiam pensar que nada falta, mas para Neemias não bastava andar 80% do caminho, ele desejava a restauração completa. Ele não se preocupava de ter que subir os alpes até o final ainda que soubesse que lá é extremamente frio, desgastante e doloroso. O que faltava? Ele restaurou a manutenção dos levitas, uma vez que esses não possuíam direito na terra, e restaurou a Guarda do Sábado que vinha sendo quebrado constantemente e de forma inconsequente. O interessante é que no verso 18 do capítulo 13, Neemias diz que “os pais dos filhos de israel transgrediram da mesma forma”... como Neemias sabia disso? levantando a história do povo de Israel ou a ‘tradição’, tradição que hoje muitos gostam de reputar como inútil. A história ensinou para Neemias que a quebra da guarda do sábado era pecado gravíssimo e capaz de irar Deus de forma intensa, afinal o sábado apontava para o Messias que viria e para impedir que o povo transgredisse o sábado, ordenou que as portas da cidade não fossem abertas no decorrer do dia santo(Ne13:15-22).

Gritos clamando por Reforma não são o bastante. Se existir um homem que apenas ore pela reforma, de nada adiantará; se houver um homem que segure a espada, de nada adiantará se ele não souber como usá-la; se um homem souber como usar a pá, de nada adiantará se ele não tentar reconstruir o muro. Os melhores homens não são os que sabem usar todas essas coisas, mas sim aqueles que mesmo não sabendo tentam usar a fim de reconstruir o muro. Não são engenheiros e nem pedreiros e muito menos guerreiros, mas vale a pena tentar ser tudo isso para cumprir um chamado de Deus. Paradoxal? talvez, mas precisamos viver a loucura do evangelho a fim de chegarmos a um conhecimento mais profundo, regido por uma quantidade menor de teoria e um pouco mais de prática. Uma Reforma teórica pode ser sinal de que há teias de aranha por toda casa... o que necessitamos é de uma reforma da piedade a fim de que batalhemos com vigor em prol da fé que nos foi concedida de uma vez por todas. Que Deus seja Louvado para sempre! Senhor, lembra-te do teu povo e levanta Neemias para lutar pela restauração dos muros, amém!

OBS: É importante salientar que as referências que são feitas a "Reformador" não implica necessariamente em um dos pais da Reforma Protestante ou discípulos dos mesmos. Em todo esse texto, quando falo de "Reformador", estou falando de homens que se dedicam ao Ensino das Escrituras e que estão dispostos a lutar para que todo conselho de Deus seja ensinado da forma devida.

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