Você é calvinista? E daí?


Fabio Farias

“Tornamo-nos como aqueles sobre quem tu nunca dominaste e como os que nunca se chamaram pelo teu nome. Oh! Se fendesses os céus e descesses! Se os montes tremessem na tua presença, como quando o fogo inflama os gravetos, como quando faz ferver as águas, para fazeres notório o teu nome aos teus adversários, de sorte que as nações tremessem da tua presença!”
(Is 63.19 – 64.1-2)

Existem certos trechos da Escritura que fazem o leitor atento desatar em lágrimas ou em profunda tristeza. E um desses trechos é Isaías 63 e 64: a ultima oração do profeta. Nesta oração Isaías lembra das grandes obras de Deus no passado e cai em profunda tristeza, típica e quase obrigatória de um profeta, por perceber que o povo que outrora fora chamado “o povo de Deus” não mais o é; o profeta vê que seu povo hoje é rebelde (63.10), imundo (64.6), insensível (64.7), etc. 

O profeta inicia sua oração celebrando “as benignidades do SENHOR e os seus atos gloriosos (63.1)” e reconhecendo que o Messias que havia de vir, o “Anjo da sua presença, os salvou; pelo seu amor e pela sua compaixão, ele os remiu, os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade (63.9)”. Deus deu um objetivo àquele povo: sair do Egito, conquistar a terra prometida e viver nela para a glória do Seu Nome. E o que o profeta diz é que esse propósito foi cumprido tão somente pela presença milagrosa e visível de Deus no meio do povo (63.15). Sim, o passado era glorioso pois o que se via nele era a glória de Deus! Mas seu coração se desmancha pois o que ele vê no presente é que essa presença milagrosa e visível se foi: “Onde está aquele que fez subir do mar o pastor do seu rebanho? Onde está o que pôs nele o seu Espírito Santo? Aquele cujo braço glorioso ele fez andar à mão direita de Moisés? Que fendeu as águas diante deles, criando para si um nome eterno? (63.11-12)” A ausência dos sinais da presença de Deus é, efetivamente, a ausência de Deus: “Volta, por amor dos teus servos e das tribos da tua herança. (63.17)” Tais coisas fazem o profeta chegar a trágica conclusão de que Israel deixou de ser o povo do Deus Altíssimo para ser mais um dentre tantos a se afastar e pecar contra Deus: “ Só por breve tempo foi o país possuído pelo teu santo povo, nossos adversários pisaram o teu santuário. Tornamo-nos como aqueles sobre quem tu nunca dominaste e como os que nunca se chamaram pelo teu nome.(63-18-19)” 

Sim, é uma oração de lamento, de dor. Uma “dor profética”. 

Devo dizer que a mesma “dor profética” que atingiu o profeta Isaías atinge hoje todos aqueles que olham para a Igreja dos presentes dias, e também devo confessar que essa dor me enche profundamente nesse momento. Esta não é a dor que sentimos quando vemos os descalabros dos pastores, profetas, apóstolos e patriarcas do evangelho da TV e do rádio e o povo que é manipulado por eles. Essa dor profética me atinge quando vejo a situação das igrejas históricas, as que se afirmam como guardiãs da verdadeira doutrina cristã e do evangelho da Graça. Os que julgam a si mesmos como “Teu santo povo”.

Sinto essa dor mais intimamente quando olho para os calvinistas do meu tempo, ou melhor, os“novos calvinistas”. São eles que me fazem orar pedindo perdão a Deus. Isso pode soar estranho, muito estranho. Vivemos um momento no qual o calvinismo está em franco crescimento dentro, mas principalmente fora, das igrejas históricas e um grande interesse por autores do passado como Calvino, Edwards, Spurgeon, etc, tem crescido enormemente. O calvinismo tem dado respostas que o neo pentecostalismo não tem conseguido dar aos crentes da atualidade. 

Mas não posso deixar de perceber a semelhança entre a Igreja dos presentes dias e o povo de Israel retratado pelo profeta. Não posso ir contra o que o Espírito Santo tem colocado no meu coração.

Quando olhamos para o passado das igrejas protestantes temos do que nos orgulhar, pois em muitas coisas a glória da Reforma e dos Grandes Avivamentos foi a glória de Deus. Que diremos do Grande Despertamento liderado por Jonathan Edwards, George Withefield e John Wesley? Que diremos do avivamento no País de Gales que gerou em 1 ano cerca de 100.000 convertidos? Que diremos de David Brainerd entre os índios norte-americanos e de Jonathan Gofforth entre os chineses? Que diremos dos puritanos? Mas meu coração se desmancha ao ver que tudo isso ficou no passado. Os livros, as confissões, os catecismos, as denominações e mesmo os métodos destes homens permanecem conosco hoje, mas o poder de nossos pastores para dizer ao pecador “Arrependa-te” se foi. Jesus disse que conheceremos uma árvore pelos seus frutos. Lhe pergunto leitor: Como eram as conversões no passado descritas nos livros que nós lemos, e como são as conversões em nossas igrejas hoje? Vede os frutos e conhecereis a verdade. A Igreja perdeu o poder.

Apesar de haver um remanescente de crentes fiéis e fervorosos, e mesmo de igrejas fiéis e fervorosas, o que encontramos nas nossas igrejas históricas em geral são comunidades apáticas, sem vigor, sem crescimento e sem piedade. Nossas igrejas estão repletas de programações, juntas, sociedades, diretorias, projetos, redes... Mas nenhuma vigília, nenhum jejum coletivo, nenhuma pregação de confronto ao pecado original dentro de nós. Nenhum desafio sincero à conversão. Nenhuma exortação eficaz aos mortos que todos os domingos sentam nos bancos de nossas igrejas. Vemos um lampejo aqui, um pequeno esforço ali, mas absolutamente nada comparado ao que Deus manda que sejamos e façamos. E por esse motivo nossos frutos, as conversões e a santificação, são tímidos e extraordinários.

O missionário sueco Orlando Boyer (pioneiro das Assembleias de Deus no Brasil) em seu clássico “Heróis da Fé” nos fornece pequenas biografias de vinte grandes pregadores da História, dos quais dezessete eram calvinistas. Mas o fato é que em momento algum ele alude ao fato deles serem calvinistas ou arminianos. O que levou o autor a colocá-los juntos como um só testemunho foi a piedade desses homens. Diria que Orlando Boyer, e os pentecostais, digo, os antigos, são como Maria, e nós, “novos calvinistas”, como Marta. Ela, como uma boa mulher puritana, se preocupou em preparar a casa e se mostrar para Jesus como uma mulher ocupada e dedicada, enquanto a displicente Maria se esqueceu de suas tarefas e preferiu deleitar-se na presença do Senhor. A conclusão de Jesus para Marta foi: “Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada”. Da mesma forma, nós nos preocupamos com a expansão da literatura, com cursos, congressos, “contextualização cultural do evangelho”, enquanto os displicentes pentecostais desse país se preocupam (ou se preocupavam) apenas em orar e distribuir folhetos pelas ruas, praças e favelas. A devoção e a piedade são a “boa parte”, mas parece que nós não a escolhemos. Me uno ao pastor Paul Washer e digo: “Prefiro um arminiano vivo do que dez calvinistas mortos”.

Os que leem esse artigo podem me acusar de pietista, como já o fizeram. Podem estar afirmando que estou subestimando a importância da teologia num avivamento. Acredite, eu compreendo a importância da Teologia num avivamento e sei que sem uma teologia correta movimentos de devoção podem se tornar num covil de loucuras. Eu sei disso; já vivi isso como poucos. Mas não posso negar a seguinte verdade teológica: a devoção e a santidade são um indicador maior de intimidade com Deus do que o conhecimento doutrinário. Veja, por exemplo, a igreja de Jerusalém em seus primórdios. Ela não tinha o Credo Apostólico, nem a Confissão de Westminster, não havia uma visão clara sobre a justificação pela fé e, talvez, nem mesmo da Trindade; seus membros guardavam ritos judaicos e só pregavam para os da sua etnia – conhecimento doutrinário não era um ponto forte desta igreja e hoje tal igreja seria considerada uma seita, e das “brabas”. Mas o Espírito Santo relevou todas essas coisas, devido ao contexto da época, e Seu veredito acerca dessa igreja foi cabal e inquestionável: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos (…) Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos. (At 2.42-43,47)”

Diante desses fatos, choro e oro a Deus dizendo no meu coração: “Mas agora, ó SENHOR, tu és nosso Pai, nós somos o barro, e tu, o nosso oleiro, e todos nós, obra das tuas mãos. Conter-te ias tu ainda, ó SENHOR, sobre estas calamidades? Ficarias calado e nos afligiria sobremaneira?” E, com fé, creio na resposta da Palavra: “Farei sair de Jacó descendência e de Judá, um herdeiro que possua os meus montes; e os meus eleitos herdarão a terra e os meus servos habitarão nela.” Sim, creio que no final os propósitos de Deus serão cumpridos e os seus eleitos verão a Sua Glória. 

E também faço uma exortação a você, meu irmão calvinista que lê Spurgeon, Calvino, John Piper e gosta de vídeos de Paul Washer e John McArthur: olhe para si mesmo e questione se o melhor da fé reformada – a devoção e a piedade – habitam em você verdadeiramente. E, independente da resposta, insto para que você ore todos os dias a fim de que Deus fenda os céus e desça sobre o Seu Povo no Brasil. Pois foi com oração e  quebrantamento diante de Deus, que os grandes avivamentos do passado começaram. Somente mediante a oração, poderemos ter esperança de uma visitação da parte de Deus, e o que realmente é importante crescerá no meio da Igreja.

Oh! Se fendesses os céus e descesses!

Comentários

  1. Um texto sensato, isento, e que faz realmente pensar, o engraçado é que é um texto que não permite que ninguém fique confortável ou se sinta "defendido" ou diretamente acusado, pois no adverte sobre o que é de fato relevante.

    Abraços

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  2. Mas em uma coisa eu fico ferida em meu coração com o pensamento a visão do Calvinista e me deixa pensativa... Se o Calvinista acredita que Deus escolhe a quem quer salvar, e a quem quer lançar na perdição, porque então evangelizar sendo que os escolhidos serão salvos mesmo. Não penso dessa forma, mas tem muitos pregadores principalmente os antigos que tenho grande admiração, mas, como compreender um evangelismo de um calvinista, por favor amigos me expliquem, nao no debate acerca do pensamento de salvação do calvinista, mas acerca disso, como é a visão e como se sentem doloridos na alma pelas vidas perdidas, se elas foram escolhidas para serem perdidas.

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  3. Dayane, esse texto tem uma ilustração legal sobre o "evangelismo calvinista":

    http://www.barrabaslivre.com/2012/07/um-calvinista-compartilha-o-evangelho.html

    Sobre o sentido da evangelização, o que o calvinista crê é que dentre os ouvintes podem haver um eleito, que poderá ser alcançado pela mensagem e ser convertido pela ação do Espírito Santo. A fé vem pelo ouvir, sendo assim o calvinista sabe que precisa anunciar o evangelho pra todo aquele que crer seja salvo. Deus determinou não somente o destinos, mas também os meios para esses fins sejam alcançados, e é aí que entra nossa participação como instrumentos DEle..

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