Acerca das reuniões de Avivamento


Fabio Farias

Ainda estão vivas em minha memória as lembranças de um certo "Encontro com Deus", específico para adolescentes, que participei há anos atrás quando era parte do movimento G12.  Foi fantástico!

Adolescentes por todos os lados chorando, de joelhos ou deitados, em completa tristeza - pedindo perdão pelos seus pecados. Também orei e chorei copiosamente, pedindo perdão a Deus e capacidade para entender a Verdade. Também houve profecias e pessoas "batizadas no Espírito Santo", passando a "falar em línguas", etc.

Depois desse encontro, ouvia relatos de pais maravilhados, testemunhando que seus filhos passaram a ler as Escrituras todos os dias e oravam logo ao amanhecer. Digno de um avivamento metodista! Eu, particularmente, não mudei em nada. Para mim foi apenas mais um "encontro com Deus", como todos os dias (ainda que mais longo). Foi bom para mim, contudo não tinha mudado sensivelmente devido a esse "encontro". Ficava me questionando se havia sido falta de fé e "busca" (?) da minha parte. Ficava me questionando se eu havia me fechado para a atuação do Espírito Santo (risos).

Mas com o tempo, essas manifestações foram desaparecendo. As "jovens línguas" pararam de ser pronunciadas nos cultos, o conhecimento bíblico não parecia ter realmente aumentado, e, finalmente, um bom número de jovens meses depois pareciam ter saído da igreja ou realmente pareciam estar perdidos "dentro de casa". 


E eu, que parecia insensível a muita coisa e pouco havia "crescido" devido ao encontro, permaneci e aqui estou progredindo no Evangelho e na Cruz. E não tenho vergonha de dizer isso e parecer prepotente, pois minha preservação na fé não é obra minha, e sim de Deus. A salvação não é uma obra minha, muito menos uma obra minha em parceria com Deus. Não! A salvação pertence a vontade e a atuação única e exclusiva de Deus! É da cruz que me glorio!

Hoje vejo quanto sentimentalismo e confusão doutrinária havia em tudo aquilo. 

E me surpreendi ao ler em espanhol o texto que segue abaixo do bispo anglicano J.C. Ryle acerca das que seriam as primeiras reuniões desse tipo dentro do Cristianismo protestante, escrito a cerca de 150 anos atrás. Sua análise e comparação com as Escrituras desse fenômeno conferem e explicam inacreditavelmente bem o teor dessas reuniões "avivacionistas", como ele se refere a elas. Por isso decidi traduzir o texto que segue para o português, um texto antigo porém completamente atual na sua crítica, escrito por um cristão a frente de seu tempo.

Bem, é isso. Deixo-os com o bispo.

J.C. Ryle

Lamentarei muito se o que disse acerca das reuniões de avivamento for mal interpretado. Para prevenir e evitar tal possibilidade, ofereço a seguir algumas observações a modo de explicação.

Sou o primeiro a dar graças ao Senhor pelos verdadeiros avivamentos. Onde tenham lugar e seja quem for os instrumentos que Deus possa usar, eu elevo, com todo meu coração, orações de gratidão ao céu. "Se Cristo é pregado" eu me alegro, seja qual for o pregador. Se almas se salvam eu me alegro, seja qual for o grupo ou denominação da qual haja brotado a palavra de vida.

Porém é um fato triste que, num mundo como este, não possamos ter o bem sem ter também o mal. Portanto, não hesito em dizer que uma das consequências do movimento "avivacionista" - permita-se o termo - de nosso tempo tem sido o originador de um sistema teológico que me sinto obrigado a qualificar como defeituoso e extremamente prejudicial.

A característica mais sobressalente deste sistema teológico é a de que tende a engrandecer, de uma maneira desproporcional e extravagante, três pontos da religião cristã:

1°.  A conversão instântanea
2º.  O convite aos pecadores não-convertidos a vir à Cristo
3º   A possessão de certa alegria e paz como prova da conversão

Repito que estas três grandes verdades - pois na realidade trata-se de verdades - ao ser apresentadas de modo tão exclusivo e parcial em certas reuniões, é motivo de grande prejuízo espiritual.

Não há lugar para dúvidas de que pesa sobre nós a obrigação de alertar as pessoas para uma conversão imediata. Porém não devemos deixar a impressão na mente das pessoas de que a menos que se experimente uma repentina e poderosa conversão, todas as demais experiências de conversão não são genuínas. A realidade é muito diferente; além da conversão imediata existem outras formas de conversão que distam muito de serem imediatas.

Pesa também sobre nós a obrigação de alertar as pessoas para "vir a Cristo" tal como são e "sem nenhuma desculpa". Este convite constitui uma verdadeira pedra angular na pregação evangélica. Porém não deve descuidar-se que da mesma forma que devemos instar aos homens que creiam, devemos também alertá-los para que se arrependam. As pessoas têm de saber porque devem vir a Cristo, e o porque da necessidade que têm de vir a Cristo.

Devemos pregar a paz e a alegria que se encontra em Cristo. Porém não devemos ensinar que a possessão de fortes emoções e alegrias é essencial para a justificação, pois pode haver verdadeira fé e verdadeira paz sem estas amostras tão estrondosas de sentimentos. A alegria, por si só, não é evidência certa (ou inequívoca) de uma uma obra de graça.

Na minha opinião, os defeitos deste sistema teológico defendido pelos "avivacionistas" são os seguintes:

1. Condiciona e limita a obra do Espírito Santo a um só modo de conversão: a conversão imediata. Contudo bem sabemos que nem todos os verdadeiros convertidos o foram imediatamente.

2. Nestas reuniões "avivacionistas" não se instrui suficientemente os pecadores sobre a santidade da lei de Deus, sobre a profunda pecaminosidade do homem e sobre a culpabilidade do pecador. De pouco serve convidar incessantemente o pecador para que venha a Cristo, se não tem compreendido a razão pela qual deve vir e não tenha experimentado nem visto seus pecados (como deveria vê-los).

3. Nestas reuniões "avivacionistas" não se ensina adequadamente o que vem a ser a fé; daí muitas pessoas acreditarem que a fé não é mais que um mero sentimento, uma emoção. Outras vezes se ensina que a fé é o simples ato de crer no fato de que Cristo morreu pelos pecadores, e permita-me agravar meu escárnio dizendo-lhes que com tal conceito resultaria que os demônios também são crentes.

4. Nas reuniões "avivacionistas", a possessão de alegria e certeza se proclama como essencial a fé, no entanto bem sabemos que a certeza não é o ingrediente essencial da fé; pode haver fé onde não há certeza. Não creio que seja muito saudável dizer que tão logo alguém creia, experimentará torrentes de alegria. Estou certo que haverá pessoas que sem terem crido, alegraram-se, embora outras, que tenham crido, não desfrutaram dessa alegria imediata.

5. Em ultimo lugar, ainda que não menos importante, nas reuniões "avivacionistas" se perde muito de vista a soberania de Deus na salvação do pecador, e a absoluta necessidade de sua graça preveniente. Muitas pessoas falam como se pudessem "fabricar" conversões conforme os desejos humanos, como se não existissem versículos tais como o de que "não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece." (Romanos 9.16)

O dano que este sistema teológico causa é verdadeiramente grande. Por um lado, há crentes humildes que se desanimam e inclusive se atemorizam, pois chegam a pensar que não tenham experimentado da graça pois não conseguem fazer alarde de emoções e experiências estrondosas, próprias das reuniões "avivacionistas". Por outro lado, pessoas verdadeiramente estranhas à graça caem no engano de que se tenham "convertido" porque, como resultado de uma excitação ardorosa e passageira, tenham sido persuadidos a confessar a Cristo. Tudo isto torna as pessoas do mundo em risíveis e escarnio da fé cristã, e não tenham desejo algum de ouvir a mensagem evangélica.

Os antídotos para este estado de coisas - que eu tanto deploro - são poucos porém claros.

1. Proponho que se pregue "todo o conselho de Deus", e conforme a proporção que a Bíblia ordena. Não permitamos que duas ou três doutrinas preciosas do Evangelho encurralem ou façam sombra as demais.
2. Devem ensinar-se de um modo completo o que vem a ser arrependimento e o que vem a ser a fé.
3. Exponha-se claramente a variedade de modos de proceder do Espírito Santo; e embora se façam ênfases numa urgência de uma conversão imediata, não se pregue como se esta fosse a única conversão necessária e verdadeira.
4. Exorte-se àqueles que dizem ter encontrado uma paz imediata, para que não confundam com emoção com fé, e que o "permanecer na Palavra" seja a grande evidência de uma fé verdadeira (João 8.31).
5. Nunca se recuse a exortar as pessoas para que "calculem o custo" de ser cristão. Com toda honestidade deve dizer-se as pessoas que a profissão cristã implica numa guerra, além da paz; que no serviço de Cristo primeiro vem a cruz e depois a coroa

Na religião, toda excitação não sã deve temer-se porque frequentemente torna-se fatal e desemboca na ruína espiritual das almas. Quando grandes multidões de uma maneira instantânea e simultânea são o objeto de grandes e poderosas impressões, podemos estar seguros de que uma excitação pouco saudável se desencadeará.

Não tenho muita fé na integridade destas conversões que tenham tido lugar em grandes reuniões e segundo os métodos "pela força". Não as vejo em harmonia com o modo de proceder de Deus nesta dispensação. Na minha opinião, o plano de Deus é o de chamar aos pecadores um por um; e quando ouço que "grandes números" tenham se convertido instantaneamente, minha reação é menos entusiasta que a de muitos. A obra missionária mais efetiva e permanente, não é a que resulta num grande número de nativos, em massa, convertendo-se ao cristianismo, e tampouco creio que em nosso país as chamadas reuniões de avivamento sejam as mais apropriadas para realizar uma obra sólida e duradoura.

Há duas passagens das Escrituras que desejaria que os pregadores de nosso tempo desenvolvessem com muita frequência em suas mensagens. Uma destas passagens é a da parábola do semeador. Não é sem motivo e sentido que se nos menciona três vezes esta parábola nos Evangelhos. E outra passagem é a que corresponde as palavras do Senhor Jesus sobre a necessidade de "calcular o custo" e as palavras que pronunciou quando lhe seguia uma grande multidão. Vale a pena notar que nesta ocasião o Senhor Jesus não lisonjeou a multidão que o seguia, mas bem lhes advertiu que considerassem as implicações, se decidissem segui-lo (Lucas 14.25)




Tradução: Fabio Farias



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