Igreja e Seminário

Vicent Cheung

Um pastor me disse recentemente: “Eu quero saber se há uma posição aberta em seu ministério onde eu possa entrar e servir diretamente subordinado a você por um período de três meses, de forma que você possa me ensinar”. Eu tinha recebido requisições similares antes, mas parece-me que elas aumentaram esse ano. Então, há também aqueles que me perguntam quais seminários eu recomendaria.

Isso me lembra do que um professor cristão me disse quando eu lhe perguntei que seminário ele endossava. Ele escreveu:

Eu não posso recomendar nenhum seminário. Meu conselho padrão a qualquer pessoa que está procurando conselho sobre qualquer tipo de faculdade é esse: Leia vastamente no campo que você está interessado. Quando encontrar um autor que sabe o que ele está fazendo, vá estudar com ele onde quer que ele ensine, e tolere o restante. Há uma chance muito maior de encontrar um homem são [na doutrina] do que encontrar uma instituição sã.

Ele estabelece um bom ponto, mas faça o que quiser com o conselho dele. Neste momento, estou pensando somente sobre o treinamento de alguém para o ministério.

Moore College, Austrália 
Em outros lugares, tenho declarado minha visão de que seminários são necessários somente porque as igrejas não têm ministérios de ensino adequados. Certamente, mesmo quando uma igreja é adequada em seu ministério de ensino, um seminário ainda poderia ter certas vantagens, tais como uma comunidade ampla de eruditos, uma vasta biblioteca, e assim por diante. Contudo, se a igreja é realmente séria sobre o seu ministério de ensino, então a diferença entre seus recursos e os recursos de um seminário será uma diferença apenas de grau, de forma que um seminário, mesmo que útil, ainda não será absolutamente necessário para um treinamento ministerial adequado.

Assim, por exemplo, uma igreja deve certamente ter sua própria comunidade de eruditos (presbíteros docentes, etc.), uma biblioteca considerável, e outros recursos para ensino e pesquisa. Esses eruditos poderiam não ser qualificados para ensinar sobre todo tópico obscuro, e a biblioteca poderia não ter os recursos para tratar de todo assunto obscuro. Mas novamente, estamos considerando somente aquelas coisas que são necessárias para o treinamento ministerial.

Em outras palavras, estou dizendo que o modelo de treinamento de Cristo (e.g. Jesus e os Doze) e os apóstolos (e.g. Paulo e Timóteo) deveria ser mais do que suficiente, e que ele é aparentemente insuficiente somente porque as igrejas não o têm adotado realmente. Os presbíteros da Igreja deveriam ser capazes de treinar seus próprios parceiros e sucessores, ao invés de ter que enviar seu próprio povo para seminários, onde serão ensinados por pessoas que ninguém na igreja conhece ou jamais ouviu sobre.

Ainda pior do que isso é quando uma igreja descobre que ela precisa contratar alguém de fora dela, com quem ela nunca teve um relacionamento prévio, ao invés de ter alguém disponível dentro de sua própria congregação, o qual já foi treinado, que tem servido humildemente por anos na igreja sem um ofício autoritativo, e a quem a igreja pode agora promover e ordenar como presbítero.

Alguns graduados em seminário são muito orgulhosos e estúpidos, e completamente indignos do ministério. A maioria dos casos não são nem mesmo exemplos de “conhecimento que incha” (1 Coríntios 8:1), mas a crença de que eles têm o conhecimento que incha, visto que eles realmente sabem muito pouco.

É impossível dizer se uma pessoa sabe algo simplesmente porque ela possui um diploma. Quando eu ainda estava na escola elementar e então na escola secundária, meus pais viram meu interesse em ensinos bíblicos e preocuparam-se em assegurar que eu não estava sendo enganado em meus estudos. Assim, eles me trouxeram diversos pastores idosos treinados em seminário, e também um empresário cristão bem sucedido, e me deram a oportunidade de discutir assuntos teológicos com eles. Nenhum deles pôde responder minhas perguntas, nenhum deles pôde refutar algo que eu disse; e nenhum deles conhecia metade das passagens bíblicas relevantes tão bem quanto eu.

Recordando, percebo agora que algumas das minhas crenças eram falsas, e que realmente eu sabia muito pouco. De fato, eu nem era convertido naquela época. Todavia, esses pastores, que foram treinados em seminários e tinham anos de experiência no ministério, não puderam instruir apropriadamente nem mesmo uma criança como eu. Em outras palavras, o fato não era que eu fosse especialmente competente, mas que eles eram especialmente incompetentes, a despeitos dos seus diplomas e seus anos de experiência.

Certamente, nem todos graduados em seminário são assim, mas o ponto é que simplesmente porque uma pessoa tem um diploma de seminário não significa que ela seja competente. De fato, simplesmente porque uma pessoa tem um diploma de seminário não significa que ela tenha conseguido boas notas no seminário - peça que ela lhe mostre os boletins. Mas isso pode não significar muito, mesmo que ela tenha recebido boas notas no seminário. Muitos de vocês, que já passaram pela faculdade, percebem que há uma diferença entre conseguir boas notas e aprender verdadeiramente os assuntos. Há técnicas para se conseguir boas notas em exames, mas é outra questão dominar o assunto.

Agora, se eu fosse contratar um graduado em seminário fora do meu círculo - ao invés de promover alguém que eu tenho conhecido e treinado por meses ou até mesmo anos - não há chance de que deixarei que ele ensine minha congregação ou audiência imediatamente. Primeiro, antes de tudo, eu não tenho idéia se ele sabe algo, quer ele tenha ou não um diploma de seminário. Segundo, conhecimento não é a única qualificação para o ministério, mas um ministro deve estar acima de reprovação em caráter também.

Assim, eu poderia colocá-lo em provação por um tempo, e fazer que ele fizesse todos os tipos de trabalhos servis. Eu faria com que ele fizesse caixas de reboco . Eu faria com que ele esfregasse banheiros. [1] Eu faria com que ele servisse café aos porteiros e às secretárias. Eu faria com que ele ajudasse a creche, de forma que ele pudesse trocar fraldas e limpar vômito.

Se ele pensa que ele é muito bom para tudo isso, então ele não é bom para o ministério. Se, recém saído do seminário, ele já pensa que ele é algum “homem de Deus” que é muito importante para fazer alguma outra coisa que não pregar e escrever, e ter as pessoas sentadas aos seus pés para ouvir sua sabedoria, então ele é realmente uma pedaço inútil de lixo, e ele é tão estúpido que não sabe isso.

Ninguém na organização irá respeitar ou mencionar, ou ser interessado ou intimidado por seu diploma de seminário e outras credenciais humanas. E quanto mais ele fala sobre isso ou tenta impressionar as pessoas com isso, mas olharemos de cima para ele e o humilharemos. E se ele alguma vez tentar se introduzir como “doutor” fulano de tal, ele poderia também andar do lado de fora da porta e nunca mais voltar (Mateus 23:7-12). Se ele tem as virtudes, então ele pode nos mostrar por seu humilde e excelente serviço.

Há muitas outras coisas que eu faria para treinar e testar uma pessoa; há centenas de detalhes que eu prestaria atenção. Eu faria pequenas viagens e refeições com ele, e veria como ele trata os garçons e os porteiros. Eu irei casualmente sugerir que nos encontremos num certo horário, e então ver se ele chega cedo (eu sempre faço). Se ele é casado, eu irei vigiar como ele interage com sua esposa, para averiguar o tanto quanto puder se ele domina sobre ela de uma forma egoísta, ou se ele usa sua autoridade para servi-la com amor sacrificial.

Quando alguém está sendo considerado para o ministério cristão, todas essas coisas são relevantes, e eu nem comecei a descrever os altos padrões doutrinários e intelectuais que devem ser exigidos. Se for alguém que eu tenha pessoalmente treinado, eu já terei toda a informação que necessito sobre ele, mas um diploma de seminário não me diz nada dessas coisas. Considere as lições e testes bíblicos baseados em Lucas 14:7-11, Provérbios 29:5, Tiago 1:19 (também Provérbios 10:19), e muitas outras passagens.

Assim, e daí se ele tem um diploma de seminário? Eu posso treinar alguém mais intelectualmente competente em vários meses ou em um ano. [2] Mas se ele é muito “santo” ou educado para limpar vômito ou esfregar banheiro, então eu não o quero nem mesmo para lamber o chão na minha igreja ou seminário. Ele não é bom o suficiente nem mesmo para ser quebra-molas no estacionamento da igreja, e ele pode esquecer de se tornar um presbítero ou mestre.

Por outro lado, nada que eu tenho descrito deveria possuir um problema para o verdadeiro servo spiritual, um que não está tentando ser um mestre ou uma celebridade para o povo de Deus (Mateus 20:25-28).

Certamente, tudo isso se aplica a mim também - o dia em que eu também me considerar muito “homem de Deus” para esfregar o banheiro da igreja é o dia em que eu me tornei um banheiro putrefato para Deus. E fazer um trabalho mal feito não adianta - se eu vou esfregar um banheiro, eu o deixarei brilhando. Eu não pretendo dizer que eu tenha tantas oportunidades para realizar trabalhos servis como muitas outras pessoas, mas sempre que a demanda é posta sobre mim, eu faço um bom trabalho com uma boa atitude.

Para ilustrar a partir de uma experiência anterior: era requerido que todos os estudantes em minha escola secundária trabalhassem um ano na cozinha. Eu fui colocado sob os cuidados de um supervisora velha e irada, que estava acostumada a tratar com estudantes mimados e resmungos - o trabalho na cozinha era considerado o pior no campus. Provavelmente esperando outro trabalhador preguiçoso e reclamão, a supervisora foi muito dura e crítica a princípio. Mas eu trabalhei tão duro e tão bem que sua atitude para comigo mudou após poucos dias, e ela começou até mesmo a me dar um tratamento preferencial.

Eu fui promovido às tarefas mais fedorentas e desagradáveis na cozinha (como jogar fora os restos de comida dos pratos e bandejas das pessoas num buraco onde todo essa comida misturada ficava por muitas horas), e finalmente na frente da cozinha arrumar os itens sobre o balcão e servir comida aos estudantes.

Minhas tarefas favoritas eram as desagradáveis e repetitivas. As pessoas ficavam longe quando eu estava fazendo as tarefas desagradáveis (eu não pensava que elas fossem desagradáveis, mas aparentemente outros sim), e eu não tinha que pensar sobre o que eu estava fazendo, pois eram tarefas repetitivas, de forma que enquanto estava trabalhando, eu gastava todas aquelas horas meditando na Escritura, e no sermão que pregaria aquela semana.

No último dia, quando o ano tinha acabado, os trabalhadores adultos de tempo integral da cozinha estavam em lágrimas quando chegou o tempo de eu partir - eles estavam realmente chorando e tremendo. Esse é o poder do trabalho ético bíblico normal . Eu não era assim por ter nascido assim, mas porque eu era um cristão, soberanamente mudado e educado por Deus.

Jesus nos deixou um exemplo, de forma que se até mesmo o nosso Senhor e Mestre estava disposto a realizar um trabalho de servo, não ousamos nos considerar maiores do que o nosso Senhor (João 13:14-17). Embora seja anti-bíblico requerer que um ministro faça trabalho servil como parte dos seus deveres regulares (Atos 6:2), o ponto é que ele nunca deveria se considerar acima desse tipo de trabalho, e deveria alegremente realizá-lo sempre que fosse necessário. De fato, um líder deveria fazer um ponto de humilhar a si mesmo e colocar um exemplo, ocasionalmente ajudando-o com as tarefas mais inferiores na igreja e também em outras situações, e fazer isso sem negligenciar seus deveres primários.

O problema é que, a menos que eu o coloque numa provação sem remuneração, então se eu hei de treinar ou testar alguém que eu contrate de fora com respeito a essas coisas, eu terei que pagá-lo um salário razoável enquanto ele estiver em provação, e (porque ele está em provação) quando ele não estiver realmente fazendo a obra para a qual eu o contratei. Além do mais, eu tenho usado a humildade e o trabalho ético somente como exemplos - há muitas outras coisas que eu preciso testar e provavelmente lhe ensinar também. Mas se eu fosse promover alguém de dentro da minha própria igreja ou ministério, ele já teria sido treinado e testado durante um longo tempo.

Há certas coisas que um seminário pode fazer para ajudar treinar e testar seus estudantes, quando diz respeito à humildade. Por exemplo, ele pode fazer com que os estudantes façam todos os trabalhos de porteiro. Mas os seminaristas podem considerar isso irrealizável por muitas razões, e até mesmos aqueles que estão dispostos a implementar algo parecido com isso podem não fazer esse trabalho tão bem quanto uma igreja pode.

Agora, se todos os estudantes estão fazendo esse tipo de trabalho como parte dos requerimentos da faculdade, então eles poderiam não perceber sua significância e assim simplesmente fazer por fazer, e isso seria muito menos humilhante para o orgulhoso (o que faz o treinamento menos significativo e eficaz) do que se eles fossem a extrema minoria, como seria o caso se alguém está sendo treinado e testado numa comunidade da igreja.

Para evitar mau entendimentos ou más aplicações do que eu tenho dito, saiba que meu principal ponto não é que os seminários sejam inúteis ou que eles deveriam ser abolidos, mas que as igrejas deveriam ser muito mais deliberadas e abrangentes em seus ministérios de ensino, em treinar e testar tanto a doutrina como o caráter. Se isso fosse feito, então em geral a igreja seria o melhor ambiente para se levantar seus próprios obreiros e líderes.

NOTAS:

[1] - Limpar banheiros deveria ser uma alegria de qualquer forma - o pano com o qual você esfrega o banheiro é muito menos teimoso e muito mais cheiroso do que muitas das pessoas com as quais você irá tratar no ministério. Assim, se você não pode nem mesmo lidar com banheiros - e com o que você encontra neles - como você irá lidar com pessoas?

[2] - O treinamento acadêmico e prático em seminários está longe de ser tão cansativo como o que eu ofereceria e requereria, assim, mesmo que eu fosse contratar um graduado de seminário bem treinado, eu ainda teria que treiná-lo tudo de novo.




Fonte: Doctrine and Obedience, de Vincent Cheung, páginas 05-09. Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto para o site Monergismo.com

Autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento abrangente e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts. [http://www.rmiweb.org/]

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