Pietistas em terra pagã

Fabio Farias

Recentemente, numa noite fria e comum no Centro do Rio de Janeiro, tive a oportunidade de visitar a Catedral Presbiteriana do Rio. Assisti um devocional, orei, e vislumbrei a beleza daquele templo neogótico repleto de monumentos alusivos aos mais importantes marcos do protestantismo e do presbiterianismo no Brasil. Uma verdadeira obra de arte a céu aberto, como os membros da IPRJ costumam dizer. Logo depois, já na Estação Central do Brasil, lembro-me de ter ficado alguns minutos detido numa exposição de fotos da Jornada Mundial da Juventude, onde uma mulher de meia idade interceptou-me e começou a dizer como fora abençoador aquele evento e as experiências que tivera em Copacabana. Concordando com a cabeça e sem muita vontade de desculpar-me por ser protestante, conversei amistosamente e tratei de adiantar-me para a Rodoviária. Sem andar muito, topei com um grupo de evangélicos (assembleianos, provavelmente) pregando e distribuindo folhetos numa das áreas mais degradadas do Centro do Rio, onde impera o mercado negro, a prostituição, a mendicância e a sujeira.

Tendo encontrado minha namorada, falei para ela como tudo aquilo quase me iludiu. Por alguns momentos parecia até que eu vivia em um país cristão.

Você pode questionar-me e dizer que vivemos num país cristão sim. O católico dirá que somos mais de 70% da população. O evangélico dirá que somos cerca de 40 milhões de genuínos discípulos de Jesus em franco crescimento.  O ateu, resignadamente, dirá que a Constituição Federal, o real, as cruzes nos tribunais e nas Assembleias Legislativas, e os feriados, são uma demonstração de que não respeitamos a laicidade do estado: somos na verdade um país cristão.

Mas isso é apenas engodo!

O cristão que adentra nos meios que realmente dirigem a nação brasileira, como as universidades, os partidos políticos, os movimentos sociais, as ligas estudantis e os institutos de pesquisa, verá claramente que não somos um país cristão. Antes, estamos engajados num processo de descristianização que está sendo empurrado goela abaixo na educação e no entretenimento com o dinheiro dos nossos impostos. Não existe sequer uma oposição cristã significativa ou uma minoria de pensadores cristãos respeitados... Nada! Apenas alguns grupos ligados à Missão Integral que tentam adequar a espiritualidade cristã as agendas progressistas dos grupos marxistas e social-democratas, que, definitivamente, não precisam da fé cristã para levar a cabo suas intenções.

Voltando a uma realidade mais palpável, basta retornar àquela noite fria e comum no Centro do Rio. Enquanto andava rumo a Catedral Presbiteriana, a maioria das pessoas na rua em que eu andava estavam indo para uma boate e um tradicional cabaré de strep-tease próximos. Na Central do Brasil, o que sobra são mendigos pelas ruas e “orelhões” repletos de propagandas de bordéis e prostitutas. A maioria não para numa igreja do Centro da cidade ou numa exposição da Arquidiocese do Rio. Elas param nos botecos.

Isso aqui não é Jerusalém. Não é Roma. Não é Genebra. Isso aqui é o Rio de Janeiro, “a Babilônia do meu Brasil”.

E se o prezado leitor imagina que não há nenhuma ligação entre o sucesso do cabaré e a ausência de pensamento cristão na academia, você está seriamente enganado.

A igreja evangélica brasileira vive o que teologicamente chamamos de “pietismo”. Uma concepção de fé que exclui a razão, o engajamento social e a compreensão de mundo conforme princípios cristãos. A fé é resumida a um sentimento de crença e confiança em Deus. E, ao abraçar essa fé, a única coisa que você deve fazer é chamar outros para essa fé e se afastar das “coisas do mundo”, preparando-se para não ser “deixado para trás” no arrebatamento. Aqui acaba o cristianismo na cabeça de 90% dos cristãos desse país (acho que esse número é muito otimista).

Nossas igrejas pregam um pouco sobre a necessidade de educar os filhos no caminho do Senhor (educação informal), mas quase nenhuma crítica ao sistema educacional humanista, naturalista e ateísta (educação formal). Pagamos impostos para que nossos filhos aprendam na escola a abandonarem a fé dos seus pais. E a ofensiva (?) da igreja se resume a Escola Bíblica Dominical – o que beira o ridículo. Onde estão as escolas confessionais? Onde estão as associações evangélicas de ciência e humanidades?

Nossas (algumas) igrejas pregam contra a corrupção e a favor da ética na política. Mas nenhuma proposta política real com base em pressupostos cristãos. E não estou falando de condenar o PT e citar algo sobre a mais recente notícia sobre a “PL 122” e a legalização da maconha – outra ofensiva ridícula. Onde estão os sociólogos e cientistas políticos cristãos que ofereçam uma alternativa cristã? Onde estão os pastores divulgando isso nas igrejas?

A Igreja sabe o que é certo e o errado. Condena o errado, mas não ensina ninguém como fazer o correto. Poderia descrever várias situações em que nossa resposta é, repito, ridícula... É na ausência de respostas da Igreja para os dilemas do mundo e as propostas anticristãs de sociedade que se encontra o sucesso do cabaré, da cracolândia e de Brasília.

Na ausência de um movimento político-cultural cristão, toda a sociedade tem se adequado ao discurso existencialista, hedonista e socializante da academia e gerado aquela realidade triste que eu presenciei na Central do Brasil.

E da mesma forma como o ateu vive, sem uma visão coerente de mundo e apenas preocupado em sentir boas e prazerosas sensações, os cristãos também vivem. Não queremos compreender o mundo, não queremos conhecer o mundo do Criador: queremos apenas nos sentir bem e ter boas sensações.

Até temos algumas iniciativas muito boas, e muito material teológico sobre isso, mas temos medo de levar isso às igrejas. Estudamos a Igreja Confessante (igreja clandestina) e sua resistência ao Terceiro Reich (Hitler, 2ª Guerra Mundial), mas não discutimos isso com nossos membros. Enquanto isso eles estão estudando Marx, Hegel e Jean Paul Sartre na universidade. Temos medo de introduzir alimento sólido nos adolescentes, ensinando apenas sobre namoro e amizade, enquanto eles discutem evolução e epistemologia kantiana no Ensino Médio sem a ajuda dos seus pastores e pais.

Precisamos entender que não somos um país cristão e sim pagão. Devemos em temor e tremor hastear a Cruz e criar uma verdadeira visão cristã de mundo para o Brasil do século XXI, a fim de “congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão no céu, quanto as que estão na terra (Ef. 1.10)”.

Eclesia Reformata et Semper Reformata

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