Santa Maria, rogai por nós...
Renan A. Moreira
O título da postagem era a chamada do Jornal “Extra” no dia
28/01/2013, um dia após a “Tragédia” de Santa Maria.
Determinados fatos de repercussão nacional obrigam algumas pessoas a
se pronunciarem e de algum modo me vejo em igual dever. No entanto
devo frisar que meu pronunciamento não segue a correnteza da
comoção, onde se vê o rosto de mais de 400 heróis, sendo que
destes teríamos pelo menos 200 baixas. Eu prefiro correr o risco de
ser tido como alguém sem coração do que alimentar um mito, mito
que surge por força do momento e do forte bombardeio midiático.
Inicialmente, eu quero chamar a atenção para a chamada do Jornal,
sendo que a mesma encontra-se elencada abaixo:
“Santa Maria, rogai por nós” é o trecho de uma reza romanista
que segue com “agora e na hora de nossa morte”. A morte é um
divisor de água, pois aponta para aquilo que é e que deixou de ser;
torna límpida a diferença entre o ouvir o sorriso e o cessar do
sorrir; faz com que fique claro que algumas músicas passarão a
trazer recordações e que aquelas recordações serão, de fato,
apenas recordações impedidas de serem revividas porque alguém que
fazia parte delas já não existe; A morte transforma o sorriso do
dia nas lágrimas da noite, transforma o intenso respirar da
madrugada em um silêncio deprimente. Acabou e tudo o que resta é
uma expectativa de: “E agora?”
E agora? Para aqueles que ficaram, resta a saudade e para aqueles que
se foram, resta o juízo (Hb 9:27). Não são palavras que as pessoas
gostem de ler ou ouvir, mas são situações dos quais ninguém está
livre. O juízo é gracioso apenas para aqueles que detém a razão e
a razão não é decorrente dos próprios méritos, mas do caráter
do Eterno Deus e do quanto aqueles que morreram se atentaram para
Ele.
Não penso em falar então de todos aspectos concernentes à morte,
talvez possa tratar deles em um outro momento. Minha preocupação é
de caráter pontual, de forma específica, me atentarei sobre a
questão social e política, nosso sistema de pão e circo, nossa
visão de heroísmo.
Qual o cenário de comoção nacional? Toda história tem um cenário,
esse cenário pode ser o ambiente onde ocorrem situações alegres,
tristes ou indiferentes, logo não importa o tipo de emoção, sempre
que há uma emoção, há um contexto e há um lugar. O lugar de
nossa história trágica é a Boate Kiss.
Na Boate Kiss um grande grupo de estudantes universitários se
reuniram. O que faziam? Curtiam a vida, afinal de contas a vida é
curta, sendo estes os termos do pensamento de um jovem que fez sua
postagem no facebook alguns instantes antes de sair de casa. Sim! A
vida é curta e é por ser curta que cada passo deveria ser pensado
de forma coerente. A vida é como uma vela acesa que tem sua chama
extinta por qualquer vento contrário que incida nela.
A folha de São Paulo aponta para 231 mortos e 106 hospitalizados,
não estando incluídos nos números aqueles que conseguiram se
salvar. Eram jovens, anônimos para o Brasil, estudantes dos mais
diversos cursos e que repentinamente se tornaram... heróis! Alvos da
comoção nacional. Entendo a dor dos familiares, mas não entendo a
tolice de nossa nação! Entendo a dor dos familiares porque de fato
querem resposta para o enigma “Por que?” e não compreendo a
tolice de nossa nação pelo fato de... ser uma nação tola.
O mesmo país que gastam dias e dias vendo Realitys Shows, ligando
para programas ridículos a fim de votar no vencedor do “milhão de
reais”; que gastam horas do seu dia vendo futebol e discutindo quem vai ou fica na segunda divisão e que de forma inconsequente não
entende nada sobre o que ocorre na sua cidade é o mesmo povo que
como em um passe de mágica se torna solidário com aqueles que nunca
viu.
Não se trata da solidariedade de quem estende as mãos para amparar,
mas da solidariedade do politicamente correto, do silêncio e
reclamações de algumas horas para então, posteriormente, postar
fotos de um copo de cerveja no Bar ou dizer um “Partiu Churras”
após afirmar que se encontrava de luto pelos que morreram em Santa
Maria.
A questão não é de acidez, mas de sinceridade. Pessoas que
lastimam a morte destes jovens se esquecem que eles plantaram na
carne e colheram a corrupção. Minha análise não se baseia na
morte de per si, mas sim no
nexo causal existente nos momentos que antecederam o óbito.
Se agora todos indagam de quem é a responsabilidade, eu diria que
deveriam por os mortos de frente ao espelho para encontrarmos os
primeiros responsáveis.
Reconheço que não estou sendo
doce, mas a questão é que é de tanta doçura e
pseudo-emocionalismo que temos um país de pão e circo e que finge
se importar com as agruras deste país. O mesmo indivíduo que presta
solidariedade com os de Santa Maria como se fosse uma tragédia
excepcional, trataram o desabamento do prédio no RJ de igual modo e
não mais cobraram respostas. Percebe-se que os momentos de comoção
geram pessoas “insanas” ou, no mínimo, contraditórias, pois seu
conceito de solidariedade se esvai com o tempo, não importando se
alegou “que jamais se esqueceria daquela data”.
Não trato a vida de uns como menos
importante do que a dos outros, no entanto é perceptível que alguns
dão causa aos resultados, seja pela incoerência ou pela falta de
dever de cuidado. Ainda indaga-se: quem são os culpados?
Responderei, sendo que a cadeia de responsabilidades é
suficientemente grande. A imagem abaixo é uma ilustração retirada
da folha de São Paulo e que demonstra como funcionava a boate:
Analisando a imagem, facilmente
percebe-se que há responsabilidade por parte dos jovens, por parte
do município, por parte do dono da casa de shows e por conta dos
cantores contratados.
Pignatta
e Silva, da Poli, afirmou que as pessoas precisam criar um cultura de
salvaguardar sua vida em situações como a encontrada no Rio Grande
do Sul.
"Infelizmente, o fato de existir uma casa com capacidade para mais de mil pessoas, em um ambiente totalmente fechado, não deu um alerta na cabeça de ninguém. Ainda mais com objetos pirotécnicos no palco".
Os jovens não se atentaram para
condições mínimas de segurança, para a própria segurança. Se
alguém diz que eles foram lá apenas para se divertir e que não
havia como prever, estará sendo “cínico”. Primeiramente um
acidente não precisa ser palpável para ser evitado, caso contrário
a palavra não seria EVITAR, mas sim CONTORNAR. Basta haver um
vislumbre, ainda que hipotético. Uma casa de shows com uma ou duas
portas estreitas, sendo que a mesma tem capacidade para mais de 1000
pessoas exige que as próprias pessoas policiem sua segurança.
Os donos e a banda que tocou no show
são visivelmente responsáveis por fatos que dispensam a explicação,
no entanto o poder público é o que mais assombra em sua falta de
cuidado. Ao observar o caso
me indago: como uma placa enorme com o nome “Kiss” passa
despercebida pela fiscalização? O poder público nunca percebeu que
a quantidade de portas e o tamanho delas era insignificante para a
quantidade de pessoas que adentravam o recinto?
Não há inocentes e não há
heróis. Não me digam que os mortos merecem um monumento em seu
nome, pois isto não é verdade. Eles não estavam prestando um papel
de relevância para sua nação ou para outro país. Não morreram
ajudando desenterrar corpos soterrados ou ajudando alguém se livrar
da enchente; não morreram de malária tentando ajudar os ribeirinhos
do Amazonas ; não morreram por se jogar na frente de uma "bala" que
iria acertar um inocente. Morreram porque quiseram se divertir e
foram suficientemente inconsequentes para zelar de sua própria
segurança. Por que mereceriam um monumento?
Talvez alguns considerem bonito a
comoção geral, mas esta é uma daquelas situações no qual a
sociedade age como em uma manada... Todos os pesares e conceitos
acabam sendo uma repetição de um conteúdo politicamente correto. É
como pintar um juiz corrupto como sendo o herói da nação. Pode
agradar, mas não é verdade. Os jovens morreram? Sim! É triste?
Sim! Mas não tratemos aqueles jovens como heróis ou como se o que
aconteceu com eles fosse culpa exclusiva da banda ou do dono da
boate. Os jovens foram igualmente responsáveis!
Temos tragédias todos os dias e
estas são realmente difíceis de serem calculadas, mas a da boate
não foi uma tragédia, mas sim uma escolha mal calculada. Reitero
que os jovens não são heróis, são tão responsáveis pelo que
ocorreu quanto os demais responsáveis. Viveram como se não houvesse
amanhã e para alguns, de fato não houve.
Se falo de forma dura não é porque
seja o melhor a fazer, mas com certeza é o mais necessário. A
preocupação social que se vê é falsa e o tempo falará o quão
falsa é. Dentro de algum tempo ninguém mais se lembrará do
ocorrido, o suposto luto haverá cessado e daqui um ano algum jornal
trará a notícia de que “completou um ano da tragédia em Santa
Maria” e novamente ocorrerá uma rápida comoção, bem menor, mas
uma comoção para não dizer que esqueceram. A falsidade social
enoja e precisa ser repreendida.
Inegavelmente a família sofre, mas
não haveremos de endeusar àqueles jovens. A morte não é aquilo
que santifica todos os homens e faz com que todos se tornem bons. A
morte é aquilo que faz cessar o que eles eram e a única
transformação que ela opera é da dor e de transformar o corpo em
cinzas.
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