Carta a um jovem universitário.

 [Dr. Stanley Hauermas]

Robert Louis Wilken escreveu que “A religião cristã é inevitavelmente ritualista (te recebem na igreja por meio do sacramento do batismo), é inflexivelmente moral (“Sejam santos como meu Pai no Céu é Santo”, disse Jesus) e invariavelmente intelectual (“Estejam preparados para dar a razão da esperança que há em vós”, segundo as palavras de Pedro em sua primeira epístola).

"O cristianismo é mais que um kit de práticas espirituais e um código moral. Trata-se também de um modo de pensar acerca de Deus, das pessoas, do mundo e da história”. Que estas palavras de Wilken – ritualista, moral, intelectual – com as quais ele abre seu belo livro intitulado “O Espírito do pensamento cristão” estejam marcadas em seu coração agora que está iniciando o seu curso universitário. Que estas palavras marquem sua vida, que a caracterize e a distingua pelos próximos quatro anos.

Seja fiel na adoração. Na cultura atual, ir à universidade é um dos acontecimentos mais carregados de um ar mitológico – todos consideram que a universidade irá “mudar suas vidas”. Em certa medida isso é verdade, no entanto não pense que está autorizado a tirar férias da igreja.

Seja inflexivelmente moral. A vida de um estudante universitário pende em direção a um excesso de neopaganismo. Mesmo um bom jovem, educado por uma boa família, tende também a beber e vomitar no curso dos quatro anos de seu curso. Não raras vezes fazem ambas as coisas enquanto se dirigem a uma máquina automática de preservativos. Que desperdício! Não é um desperdício apenas pelo fato dessa conduta ser autodestrutiva, mas também porque impede que o trabalho intelectual exigido pela fé cristã seja realizado.

Seja profundamente intelectual. Necessitamos – nós, a igreja – que você tenha um ótimo desempenho universitário. Isso pode soar estranho, pois muitos dos que falam em valores cristãos parecem estar preocupados apenas com sua conduta fora da sala de aula, reduzindo assim a importância do cristianismo àquelas atividades que são realizadas fora do ambiente de estudo.

O cristianismo é bem claro a esse respeito. Ser estudante é uma vocação, um chamado real. Seus pais podem ter economias específicas para o custeio dos seus estudos ou você mesmo pode estar pagando, ou ainda estar se utilizando de algum meio de financiamento, pode ainda ser possível que seja um beneficiário de uma bolsa de estudos. Independentemente da fonte do custeio, o resultado não muda. Você tem o privilégio de entrar no período de quatro anos no qual sua principal atividade será ouvir aulas, participar de seminários, ir ao laboratório, ler livros. Trata-se de um presente extraordinário. Em um mundo de profunda injustiça e desigualdade, há pessoas que concedem a outros a oportunidade para estudar. Você deve considerar seriamente este seu chamado, que certamente é seu pelo simples fato de ter conseguido entrar em um curso universitário.

Provavelmente você pense algo como “Do que você está falando? Estou somente começando meu primeiro ano e não creio ter um chamado para ser estudante. Nenhum dos meus companheiros pensam ter tal chamado. Vamos à universidade porque nos prepara para a vida. Vou à universidade porque me permitirá ter um melhor trabalho e assim uma vida melhor, inalcançável para aqueles que não estudam. Isso não é um chamado”. Você é um cristão e isso significa que você não pode ir à universidade somente para obter um melhor emprego. As pessoas tendem a pensar na vida acadêmica de forma invertida, posto conceberem a educação como uma conta bancária, onde o depósito é o conhecimento e a capacidade adquirida e quando chega a época de conseguir um emprego, transfere-se tudo isso por meio das informações postas no currículo e, por fim, saca-se todo o dinheiro investido ao longo dos quatro anos. Assim como as demais pessoas, os cristãos precisam de um emprego, no entanto sucede o resto de sua vida o mesmo que ocorre na universidade. Ambos não te pertencem e por isso não pode fazer o que bem entende, pois ambas fases pertencem a Cristo.

O chamado que Cristo te faz como estudante é um chamado para atender as necessidades da igreja, pela saúde dela e pela vida do restante do mundo. A ressurreição de Jesus – sugere Wilken – não é apenas o fator central da adoração, mas também o fundamento de todo pensamento cristão acerca de Deus, acerca das pessoas, acerca do mundo e da história. Alguém deve desenvolver melhor esse pensamento e você é esse alguém.

Não pense que a igreja necessita pouco de seu intelecto. Você consegue se lembrar dos estudos bíblicos sobre o profeta Isaías? Vemos uma profecia sobre um servo sofredor como uma referência ao Cristo. Isso parece óbvio, no entanto não é, ou ao menos não era, suficientemente óbvio para o eunuco etíope ao qual o Senhor enviou  Felipe. Cristo está escrito em todas as partes, não somente nas profecias do Antigo Testamento, mas também nas páginas da história e dos livros da natureza. Desde os primórdios a igreja tem se esforçado para demonstrar isso mediante sua explicação, interpretação e esclarecimento, mas para fazer esse trabalho de reflexão e de interpretação, se requer uma mente instruída. A física, a sociologia, a teoria da literatura francesa – tudo isso e muito mais – está banhado da luz de Cristo. É requerido os olhos da fé para ver essa luz e se requer uma mente instruída para compreender e articular aquilo que se vê.

Há também uma outra dimensão no trabalho intelectual. Na primeira carta do apóstolo Pedro lemos que devemos “estar preparados para responder com mansidão e temor qualquer um que pedir a razão da esperança que há em vós” (3:15). Nem todos creem. De fato, as universidades atuais são lugares de incredulidade em sua absoluta maioria. Assim, a igreja tem um trabalho para fazer, a saber, o de explicar o motivo pelo qual a fé no Senhor ressurreto tem sentido. Não há uma fórmula ou um argumento mágico capaz de resolver todas as objeções possíveis, no entanto é possível oferecer uma defesa racional conforme Pedro afirma. Você pode fazer com que outros pensem pelo menos duas vezes antes de rechaçarem o Senhor ressurreto.

De qualquer forma, o foco aqui não é a defesa da qual Pedro fala. Muitas pessoas se sentem
desorientadas porque pensam que ser um intelectual é incompatível com a fé. A igreja deseja alcançar essas pessoas, porém fazê-lo requer que o embaixador conviva no mundo intelectual. Esse embaixador é você, ou ao menos você é aquele que pode chegar a sê-lo se fizer o seu trabalho com entusiasmo. Participa do amor ao conhecimento. É um amor valioso em si próprio e que permitirá que você seja o fermento da massa da Academia.

Ser um estudante é ser chamado para servir à igreja e ao mundo. No entanto, sempre se lembre de quem serve a quem. Uma universidade se concentra no conhecimento e ao fazer isso, gera a ilusão de que ser bem inteligente e bem instruído é o centro e o objetivo da vida, contudo para ser cristão não é necessário ser instruído e isso é algo óbvio. Cristo se torna visível ao mundo sempre que uma pessoa responde ao seu chamado de “Vem e segue-me”. Me atrevo a dizer que Francisco de Assis foi mais importante para a igreja medieval do que qualquer intelectual e isso foi ratificado por um dos mais brilhantes homens da história da igreja, um verdadeiro intelectual, o Franciscano Boaventura. Porém, a igreja também necessita que alguns de seus homens sejam instruídos como o era o sábio Boaventura, sendo esta a razão pela qual ele dava aulas na Universidade de Paris. Objetivava com isso incentivar aos seus irmãos franciscanos a não abandonarem à educação.

A melhor forma de pensar na relação entre o seu chamado de estudante e o chamado dos demais cristãos se encontram nas palavras de Paulo em I Co 12. Nesta carta Paulo trata com uma comunidade em crise por causa de várias facções que afirmavam ser de algum modo especiais. A situação atual não é diferente. Há pastores que consideram que o trabalho de pregação e evangelização é o mais importante; professores que reputam a educação como mais importante ou mesmo ativistas sociais que consideram de suma importância fazer com que o mundo seja mais justo; há também aqueles que insistem que a chave é a renovação espiritual. A despeito de todos esses posicionamentos, Paulo recorda à igreja em Corinto que ela é integrada por uma multiplicidade de dons que servem para a comum edificação da igreja. A uns é concedida a sabedoria, a outros o conhecimento, a outros o dom de curar, a profecia, o discernimento de espíritos. Você deve honrar aos que servem à igreja como ministros ordenados ou por meio de ação social ou na direção espiritual, porém não se esqueça que você é estudante, não um pastor, não um ativista social, não um guia espiritual. Independentemente do que você faça no futuro com a sua vida, este é o momento no qual deverá se dedicar a desenvolver sua capacidade intelectual da qual a igreja precisa para ser edificada.

O seu chamado cristão não requer que você se transforme em um teólogo, ao menos não no sentido oficial da palavra. Falo como alguém cujo trabalho é de “professor de teologia” e certamente espero que sinta alguma atração por essa área de estudo. Atualmente, ao menos no Ocidente, onde as correntes intelectuais têm se desvinculado do cristianismo, a teologia se encontra numa trágica situação. Não raramente há a tentação de vestir o evangelho com o último modismo acadêmico. Em tais circunstâncias, Deus sabe de quanta ajuda necessitamos.

Contudo, há um sentido mais amplo no qual, de certo modo, todos são teólogos. O simples fato de termos que pensar em tudo à luz de Cristo já é apto a caracterizar como um teólogo em sentido lato.  Não estou falando de tentar fazer com que cada coisa aprendida se harmonize com parte da doutrina eclesiástica ou da pregação bíblica – isso é teologia strictu sensu, no sentido oficial da palavra.  Tornar-se um acadêmico cristão é mais uma questão de intenção e desejo de levar o testemunho de Cristo ao mundo contemporâneo da ciência, da literatura, etc.

Você não pode fazer isso sozinho. Necessita de amigos e de outras disciplinas do saber: da física, da biologia, da economia, da psicologia, da literatura e cada disciplina. Estes teus amigos podem ser professores ou outros estudantes, mas o maior número dessas amizades intelectuais serão encontradas em livros. C. S. Lewis tem sido popular entre estudantes cristãos por muitas razões. Uma dessas razões é porque são acessíveis a seus leitores como um confiável amigo em Cristo. Isso também é verdade no que diz respeito a muitos outros autores. Conheça-os.

Além do mais, os livros muitas vezes são o caminho pela qual se inicia nossa amizade com outros colegas ou professores, o caminho pelo qual muitas amizades se fundamentam. Não sou um entusiasta de Francis Schaeffer, mas um livro seu também pode ser um ponto de contato, algo com o qual você está de acordo ou sobre o qual pode discutir. O mesmo vale para todos os escritores que tratam de grandes temas. Leia Platão, Aristóteles, Hume, John Stuart Mill, não apenas para aprender, mas para dar agudeza e profundidade a sua conversão. Tornar-se instruído significa em grande medida agregar vários níveis aos seus relacionamentos. O ir a uma partida de futebol ou mesmo tomar uma cerveja é algo muito bom em si mesmo, mas também é um tipo de realidade que se presta para a conversa, análise e discussão. Se você lê Mary Douglas ou Claude Levi-Strauss, terá algo a dizer sobre os rituais do esporte contemporâneo. A leitura de Janes Austen ou T.S Eliot te dará uma nova luz para conversar com seus amigos em particular ou sentados ao redor da mesa. Não deixe de ler Antony Trollope. Pense nos livros como os finos fios de um tecido que se cruzam e se conectam.

Isso é particularmente certo a respeito de tua relação com teus professores. É muito provável que seus professores não se tornem seus compadres. Podem até ser intimidadores, no entanto pode vir a ter com eles uma amizade intelectual e isso é mais provável se lerem as mesmas obras. Isso é também correto para os professores de ciências. É improvável que você participe com ele de uma conversa empolgante sobre partículas subatômicas, pois um estudante sabe muito pouco sobre isso, mas leia “as duas culturas” de C. P. Snow e te asseguro que o seu professor de física irá querer saber suas considerações. Os livros são pedras de toque, pontos comuns de referência, são as águas que você nada e que revelam sua mente.

Se alguns te identificarem como um intelectual, você não pode e nem deve evitar. Confesso que fico completamente à vontade com a palavra “intelectual” para me referir aos que estão comprometidos com a universidade. A palavras tem sido associada a pessoas autoindulgentes, com pessoas que agem como se não devessem justificar o que fazem. Essa compreensão do que é ser um intelectual só se justifica se o conhecimento for pelo próprio conhecimento. Essa tentação pode ser evitada se você compreende o seu chamado como estudante. O seu conhecimento se presta ao serviço do evangelho e da igreja. Não rejeite este chamado pelo fato de outros estarem abusando do mesmo chamado.
Realmente não é fácil cumprir com teu chamado como estudante cristão. A vida intelectual não é fácil para ninguém que a leve a sério, seja este alguém um cristão ou não. Os currículos de muitas universidades podem parecer – e muitas vezes o são – caóticos. Muitas escolas carecem de uma meta particular. Você cumpre um conjunto de disciplinas de formação geral – talvez um curso de redação – e depois você cursa aquilo que bem entende. Ademais, inexiste garantia de que os alunos serão estimulados a ler. Alguns cursos, sobretudo nos cursos de Ciências Humanas, estão sendo baseados em manuais que oferecem recortes dos clássicos. Não há como se tornar amigo de um Autor se você lê apenas 6 (seis) páginas de sua obra. Finalmente, e o mais incrível, há um curioso anti-intelectualismo dentro do próprio mundo acadêmico. Alguns professores têm convencido a si mesmos de que todo conhecimento é mero poder político revestido de uma linguagem chamativa ou que os livros e as ideias são simplesmente armas ideológicas em meio a uma luta pelo domínio. Nós cristãos devemos reconhecer que o conhecimento e o modo de produzi-lo pode ser um espelho das relações de poder injustas, mas isso não é o mesmo que afirmar que todas as perguntas a respeito da verdade devam ser abandonadas. Como afirmei, não é tarefa fácil.

É por você mesmo e pela igreja que deve desejar que a incoerência, a displicência e o excesso de autocrítica das universidades contemporâneas não te abata e te desmoralize. Não permita que essas falhas sirvam de desculpa para evitar uma educação cristã. Embora algumas universidades apresentem tendência a fazer com que desistir da educação seja uma tarefa fácil para seus alunos, creio que você descobrirá que em toda universidade há professores que merecem os títulos que tem recebido. Sua tarefa é encontrar esses professores.

Como encontrar os melhores professores? Não há meios fixos para fazê-lo, mas poso sugerir algumas diretrizes. Primeiro verifique se há professores que tenham reputação de bons mentores intelectuais de estudantes cristãos. Como você já tem mais de 18 anos, você não deve procurar por “pais substitutos”, ao menos não por algum que te trate como se você tivesse 12 (doze) anos. De qualquer modo, precisa de guias confiáveis. Vale a pena refazer sua agenda para poder aprender sobre Dante com aquele professor que ensina de forma sensível acerca da profunda visão teológica deste grande poeta. Pode discordar dele, porém te ensinará a pensar como um cristão.

No começo do semestre visite a biblioteca. Veja os livros que são recomendados pelos professores. Me refiro a livros de verdade, não a manuais. Os manuais podem desempenhar um papel legítimo em algumas disciplinas, porém não em todas e nunca deve desempenhar em todas os níveis. O que você deve desejar é cultivar amizade com professores que sejam intelectuais; que querem compartilhar o conhecimento com seus alunos. Se o programa de um curso dedica várias semanas à leitura do livro “Confissões” de Santo Agostinho, é razoável supor que Agostinho encontra-se entre os personagens que seu professor conhece (ou quer conhecer) e que quer que você também conheça.

Os melhores professores para um estudante cristão nem sempre são cristãos. Há um tipo de professor cristão que pode confundi-lo porque não é fácil ver a verdade de Cristo na ciência moderna ou na teoria crítica contemporânea, por exemplo. Por esse motivo é fácil ceder a tentação de dividir a vida por esferas e limitar a fé ao seu coração e continuar com seu trabalho acadêmico como se não representasse coisa alguma. Há professores quer estão muito à vontade com esse tipo de divisão da vida. Você deve buscar fortalecimento espiritual e sempre que precisar, essa classe de professores poderá ser de grande ajuda, no entanto não siga seus passos nessa divisão da vida em esferas porque isso implica basicamente em deixar tua fé fora do teu trabalho como estudante.

Seu chamado é ser um estudante cristão. Ser estudante e ser cristão são conceitos inseparáveis. Isso será duro e frustrante em alguns momentos, pois nem sempre conseguirá ver como integrar as duas coisas. Ninguém encontra-se plenamente esclarecido a esse respeito, contudo deve se recordar das palavras de Cristo “eu sou o Alfa e o Ômega”. Embora tenhamos dúvidas sobre a forma como ambos conceitos se harmonizam, ser estudante (ou professor) e cristão estão sempre de mãos dadas.

Muitos professores não são cristãos (em algumas escolas, a maioria não é), porém muitos têm um tipo de piedade especialmente relevante para a vida acadêmica. Algum professor pode estar especialmente comprometido com o intrínseco valor de conhecer a poesia de Wordsworth e outros têm a mesma dedicação a um experimento químico. O que ambos transmitem é um espírito de devoção. Suas vidas intelectuais servem ao seu objeto de estudo ao invés de tratá-las como um objeto que deva ser dominado ou como um corpo de informações que deve ser transmitido aos estudantes. A literatura inglesa e a ciência moderna não existe por si mesmas e a universidade não arrecada fundos para simplesmente sustentar a carreira dos seus professores. Para estes professores o sistema educacional existe para suas disciplinas, disciplinas que lecionam com gosto. Este espírito de devoção não é idêntico à fé cristã, mas pode te ajudar a dar forma aos desejos e impulsos intelectuais, recordando você de que sua missão como estudante não é ser servido, mas servir. A universidade não é para você, é para seu chamado cristão como intelectual.

Em breve você deixará de ser um calouro na universidade e o sistema te induzirá a se especializar. Isso traz riscos e oportunidades. Será tentado a ter uma especialização principal que te dê certa sensação de coerência; tenha cuidado para que não estreite sua mente na direção errada. É verdade, por exemplo, que a psicologia moderna dá uma significativa compreensão da condição humana, mas não permita que essa crescente especialização gere em você a ilusão do domínio. Mantenha leituras variadas. Terá a sensação de que conhece pouco, mas tem um conhecimento aprofundado acerca desse pouco. A lição que deve tirar desse crescente conhecimento é de humildade. Após muitos anos participando de cursos sobre história da Europa moderna, saberá muito mais acerca da Revolução Francesa, porém será muito mais consciente sobre a dificuldade para aprender algo bem. Existe muito mais do que a história europeia moderna para ser aprendida!

Para combater a tendência da complacência – própria do domínio de um assunto – é particularmente importante que tenha uma perspectiva histórica do desenvolvimento da matéria. Tenho em alta estima o conjunto de disciplinas que chamamos de “ciências”. Infelizmente, com muita frequência, quem as estuda não tem a menor ideia de como e por que se desenvolveu a agenda de pesquisa em direção às práticas hoje tão comuns. Pode ser chocante voltar no tempo e ler algo acerca de Isaac Newton, pois perceberá que ele mesclava sua análise científica com argumentos teológicos. Não é necessário que pense que este é um dever para o século XXI, mas você deve considerar que a ciência moderna tem profundas dimensões metafísicas e teológicas que não podem ser deixadas de lado. O ponto básico é que conhecer a história da disciplina estudante te levará a ampliar o tipo de perguntas feitas e forçará a ler como um intelectual em vez de um mero especialista.

Também é importante que aprenda a não pensar que as classificações apresentadas na universidade são definitivas. Dante, por exemplo, será estudado em departamento de letras. Se ensina ali porque se considera que o inferno é “literatura”. É óbvio que Dante era um poeta e um dos maiores, porém também era um teólogo e não lhe faremos justiça se ignorarmos suas convicções teológicas específicas; Algumas de suas idéias são controversas para o tempo dele e para o nosso, todavia se encontram no centro de sua vida e obra. Igualmente pode ser dito sobre os departamentos de teologia, muitas vezes dominados por um escolasticismo e uma filosofia de reflexão que ignora as tradições místicas, assim como as tradições de comentários bíblicos.

Desta forma se enfatiza a necessidade de ampliar seus horizontes com perguntas históricas e desafiando as classificações predominantes. Se assim agir, faça-o porque seu chamado é ser um estudante cristão, não um estudante de física ou inglês. Mais uma vez devo esclarecer que meu interesse não é que cada cristão entre numa universidade e se torne um teólogo, porém é importante que faça perguntas teológicas aos assuntos que estão sendo aprendidos. Se, por exemplo, está estudando economia, estará em uma disciplina dominada por modelos matemáticos e de “eleição racional”. Ditas teorias podem ter sua utilidade (para usar uma expressão dessa área), porém também podem trazer pressupostos antropológicos que um cristão não pode aceitar. Se deseja que sua vida intelectual seja formada apenas pela disciplina estudada, então você não será capaz de compreender a problemática em comento.

Eu gostaria de poder dar conselhos mais práticos e concretos, no entanto como disse Tip O'Neil sobre a política, a maior parte da vida acadêmica é “local”. Os programas de teologia de algumas universidades nominalmente cristãs são diretamente nocivos para o chamado de um estudante cristão. Outros programas, por sua vez, são uma ajuda maravilhosa. Para alguns estudantes, estudar sob a tutoria de um professor que se apresente como ateu  pode ser o primeiro encontro com um mestre que creia que a fé é relevante para a vida intelectual, embora o creia em um sentido negativo. Esse encontro não tem motivo para corromper o estudante cristão. Pode despertar as convicções do estudante e pô-lo no caminho que o levará a averiguar como a fé apoia e motiva a vida intelectual nessa situação. De qualquer forma, tal como tenho enfatizado, necessitará de bons mentores – homens e mulheres que sejam dedicados ao seu trabalho e que vejam suas especialidades de forma humilde, que leiam amplamente e sejam intelectuais em vez de especialistas.

Permitam-me retornar à observação de Robert Wilken sobre a vida ritual, moral e intelectual do
cristão. Não se engane. Somente um homem ou uma mulher que tenha passado por um longo processo de disciplina espiritual pode entregar-se confiantemente à oração solitária. Você é jovem. Você necessita de uma regular participação na disciplina da adoração, leitura bíblica e comunhão cristã. Não se afaste disso durante a universidade; tampouco negligencie as tentações morais da vida universitária contemporânea. As atitudes de nossos amigos nos influenciarão, razão pela qual devemos escolhê-los sabiamente.

Adorar a Deus e viver de modo fiel são duas condições necessárias para se sobreviver na universidade. Como cristão, você é chamado a sobreviver. Você é chamado a usar esta oportunidade para ver o mundo como uma criatura de Deus, de um Deus que deseja que conheçamos o amor que nos trouxe à existência. Como membro da igreja, conto contigo. Não será fácil. Nunca foi. Mas posso afirmar que será uma fonte de alegria.

Você tem uma fantástica aventura pela frente. Desejo que te vá bem.

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1. Este artigo foi publicado originalmente em first things  em novembro de 2010.

2. A tradução foi feita por Fabio Farias da Costa.

3. A revisão foi feita por Renan Moreira

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