Uma proposta para um novo Seminário


John Frame


I. A Situação

Nos primeiros dias do Protestantismo Americano, o treinamento ministerial dos candidatos era realizado pelos pastores das igrejas.

Um jovem ao sentir o chamado de Deus para o ministério se associaria ao pastor da igreja, seria treinado por ele, participaria dos trabalhos da igreja e talvez até passasse a viver na casa do pastor.

Eu não estou bem certo sobre qual o motivo que levou este método a ser tido por inadequado. Talvez tenha nascido de uma eventual escassez de ministros dispostos e capazes de se responsabilizarem pelos estudantes de teologia ou talvez, com o aumento da taxa de alfabetização, tenha aumentado as exigências das congregações que passaram a desejar um clero com uma educação formal - um “ministério qualificado”, como se costumava dizer. De qualquer modo, por um ou outro motivo, a formação teológica foi institucionalizada e academizada.  A adoção de um modelo acadêmico foi quase inevitável. Na Alemanha, a educação teológica passou a ser feita por meio de Universidade e, de fato, geralmente este é o único modelo reconhecido disponível para a formação institucionalizada em qualquer campo do conhecimento.

Em 1848, após 34 anos como membro do conselho do Seminário Teológico de Princeton, o Rev. Gardner Spring escreveu um livro de nome “O Poder do Púlpito”, no qual comparou a geração de ministros treinados nos seminários com aqueles mais velhos que foram treinados pastoralmente. Muito embora Spring não tivesse interesse em voltar o relógio do tempo (ele percebia a impossibilidade de dissolver os seminários e retornar ao sistema antigo), posto que também encontrava-se profundamente comprometido com o seu trabalho em Princeton, ele, de forma relutante, concluiu que a geração mais antiga era notavelmente superior em espiritualidade e maturidade do que aquela treinada em seminários.

Ele defendia que (1) o seminário deveria manter uma supervisão, não apenas sobre o progresso acadêmico dos estudantes, mas também sobre o desenvolvimento social e espiritual dos mesmos; (2) que o corpo docente deveria ser constituído por homens de vasta experiência pastoral; (3) que nenhum estudante deveria ser ordenado ao ministério sem antes gastar algum tempo de aprendizado com um pastor experiente.

Não poucas vezes o ano de 1848 foi descrito nos livros de história como “o ano das revoluções”, no entanto a revolução de Gardiner Spring na educação ministerial fracassou rapidamente. Aos poucos os seminários se tornaram elementos mais acadêmicos, não menos.

Este desenvolvimento foi naturalmente necessário caso os seminários desejassem manter a respeitabilidade dos padrões acadêmicos cada vez mais crescentes no mundo. Alguns, no entanto, apresentaram uma justificativa teológica para este desenvolvimento: Treinamento espiritual é trabalho da igreja, não de uma instituição acadêmica; seria ilegítimo exigir que o seminário introduzisse em seus currículos nutrientes espirituais para sanar a deficiência do trabalho da igreja local. No que concerne à contratação de professores com experiência pastoral, bem… isso às vezes acontecia e permanece acontecendo. Contudo, com o passar dos anos, tornou-se cada vez mais difícil para um homem ser pastor e concomitantemente um notável estudioso, desta forma os seminários foram forçados a escolher e optaram pelo último. A ideia de Spring foi reavivada recentemente após um longo período de repouso. A maioria dos seminários modernos tem a exigência de “práticas de trabalho” ou “ano de estágio”.

O fato é que ninguém foi bem sucedido até hoje em explicar como fazer com que essas experiências educacionais sejam algo além de meras demonstrações de incompetência ou mesmo mensurar a eficácia de tais programas. Os resultados deste tipo de formação não têm sido encorajadores para mim.

Enquanto o seminário se recusa a “fazer o trabalho da igreja”, a igreja assume que o seminário está fazendo um trabalho completo de treinamento ministerial. Como resultado os jovens não recebem formação em muitas áreas cruciais. Muitas vezes, mesmo em cursos “práticos”, como os de educação e missões cristãs, os alunos são treinados como estudiosos e não como ministros (qualificações para duas vocações, são de fato diferentes, muito embora haja uma sobreposição). A maioria nem ao menos se tornam bons estudiosos capazes de pensar e fazer pesquisas de nível acadêmico. Essa formação dita “acadêmica” somente transforma os alunos em presas fáceis de novos modismos teológicos que ostentam apoio acadêmico.

Além disso, os temas “acadêmicos” estudados não estão claramente relacionados com o trabalho prático do ministério (ou mesmo entre si), de modo que o conhecimento dos graduados nos seminários, muitas vezes consiste em uma série de fragmentos não relacionados. O pior de tudo, ao que me parece, é que a maioria dos diplomados dos seminários não são espiritualmente preparados para os desafios do ministério. Seminário não só frequentemente se “recusam a fazer o trabalho da igreja”, mas também tendem a desfazê-lo. Os alunos que chegam com a expectativa de encontrar uma espécie de “estufa espiritual” acabam passando por um verdadeiro teste de fé. A carga de trabalhos acadêmicos, os cursos inúteis e sem inspiração, as agonias financeiras, os professores ocupados, os colegas que também vivem pressionados, enfim, tudo contribui para o enfraquecimento espiritual. Conheço um número de alunos que pararam de ir à igreja enquanto estavam no seminário e outros que andam de igreja em igreja em busca de uma verdadeira e frutífera comunhão cristã; eles estão dispostos (alguns diriam que “não”) a darem o máximo de si mesmos para os outros a fim de que essa comunhão se faça possível.

Novos modelos de educação teológica aparecem sempre com a promessa de amenizar, pelo menos, alguns dos males acima referidos. Os “seminários de rua” do Chile são um interessante desenvolvimento, mas, como afirma C. Peter Wagner, eles tendem a ser fortes na comunicação de habilidades pastorais, no entanto fracos na comunicação do conteúdo bíblico. A ‘Casa de Farel’ de Francis Schaeffer, Suíça, tem muito a nos ensinar, em minha opinião, sobre como equilibrar a instrução teórica e prática, porém a “Casa de Farel” não ensina como estabelecer e nutrir igrejas.

O sistema de “Coral Ridge” de treinamento em evangelismo é aquele que, com modificações, poderia melhorar o currículo de muitos seminários. Outros tipos de formação, ainda menos tradicionais, como o “Jesus People communes” também são dignos de estudos. No outro extremo deveríamos pensar sobre a abordagem mais antiga e “tradicional” de todas - educação teológica na casa do pastor, vivendo com ele. Minha própria proposta deve (III abaixo) algo a cada uma delas. Todavia, antes de adotar uma nova abordagem para a formação ministerial, devemos ser claros sobre o que estamos tentando fazer e por que queremos.  Para isso, é necessário primeiramente voltar às Escrituras.

II. Alguns princípios bíblicos

A. As qualificações para o ministério são espirituais.

1. Traços de caráter: É notável que as qualificações exigidas para os Oficiais da igreja listadas nas Escrituras (notadamente em I Tm 3:1-13 e I Pd 5:1-3) consistem principalmente em traços de caráter divino. Essas características são as mesmas daquelas exigidas de todos os cristãos, portanto não se trata de algo especial e próprio de uma elite espiritual (note o paralelo de I Tm 3 e Tt 2:01, sendo que essa última passagem provavelmente é direcionada para homens mais velhos em geral, não aos oficiais de uma igreja em particular), ainda que  nenhum homem possa seguir o ministério antes de ter essas características de forma notável. Estas qualidades são representadas em todo o Novo Testamento como sendo de origem divina, uma vez que se tratam dos “frutos do Espírito” (Gl 5:22). Sem o Espírito de Deus, esses traços são impossíveis; Sem Ele, não podemos agradar a Deus (Rm 8:08). O caráter de um ministro é um dom espiritual.

2. Habilidades: Um oficial da igreja é também aquele que pode fazer certas coisas. A linha entre aquela e essa última categoria não é facilmente identificada, pois para ter “bom caráter” é necessário ser capaz de orar, de resistir tempestades, ser testemunha de Cristo, agir de forma humilde. Oficiais da igreja têm responsabilidades específicas: “cuidar do rebanho” (At 20:28; I Pd 5:2) por meio da disciplina e do ensino (II Tm 4:2; I Tm 5:17; 3:2, 4:16). Capacidade de ensinar e disciplina são habilidades que um ministro deve possuir em alto grau e estas habilidades também são dons do Espírito (Rom 12:7-8).

3. Conhecimento: Finalmente, se um homem ensina acerca de Deus e em Seu nome, deve ele conhecer tanto a Deus quanto a sua Palavra (Tt 1:9, II Tm 3:14-17; I Jo 5:13-21). “Conhecimento de Deus”, “conhecer o Senhor”, “Conhecimento da verdade” nas Escrituras não se tratam de meras realizações acadêmicas. “Conhecer a Deus” é servir ao pacto estabelecido por Ele e, portanto, ser também obediente (Jr 22:16). Desta forma, o “conhecimento de Deus” é também um traço do caráter cristão e este entendimento pactual envolve também um conhecimento mais básico: “Sobre quem é Deus e o que ele diz e faz”. Todo o conhecimento cristão, seja no sentido informativo ou em um sentido mais amplo, é também um dom do Espírito Santo (I Co 2:11, 12:08).


B. Treinamento para o Ministério é um Ministério da Palavra


Nós temos aprendido que o Espírito qualifica seus ministros com as qualidades, habilidades e conhecimentos necessários para o desempenho do trabalho ministerial. Não devemos, no entanto, concluir que essas qualidades não podem ser ensinadas. O Espírito usa muitos meios para doar e ampliar os dons dos homens e por isso a Escritura nos exorta constantemente: “esforça-te para” (I Co 12:31) e “desperta” (II Tm 1:06; I Tm 4:14) os dons divinos. As Escrituras assumem que o caráter, habilidades e conhecimentos necessários podem ser ensinados, mas apenas em seus aspectos não-espirituais.

1. Pela Palavra: Os dons do Espírito vêm sobre aqueles que ouvem e obedecem a Palavra de Deus (At. 10:44; I Co 2:4 e 12; Ef 1:13 e 6:17; I Ts 1:5; I Pd 4:6; I Jo 3:24; I Co 14:37). A Palavra é a força do Espírito para alcançar este propósito (I Co 2:04; I Ts 1:5).  É a Palavra de Deus que é capaz de nos tornar “completos e perfeitamente habilitados para toda boa obra” (I Tm 3:17). A própria Bíblia é a instrução verbal do caráter cristão, habilidades e do conhecimento (novamente, II Tm 3:15-17). É a palavra quem nos leva a Cristo (Jo 5:46, 20:31) que é a fonte de todos esses dons (Ef 4:7-16, I Co 1:30, Col 2:9,10). Deus também concede à Igreja os Mestres que são capazes de transmitir a Palavra de Deus a seus ouvintes (Ef 4:11; Tt 2:03). O dever desses mestres é ensinar a “sã doutrina”, o ensino propício à saúde espiritual (hygiainos) (Tt 1:9).

2. Pelo Exemplo: O Mestre não nos ensina apenas pela pregação da palavra, mas também por sua vida (I Co 4:16; 11:01, Fl 3:17,4:9, I Ts 1:06, II Ts 03:09, I Tm 4:12, II Tm 03:10, Tt 2:7, I Pe 5:03). Na verdade, isso não é uma segunda forma de ensino, mas sim uma extensão da primeira, pois é nos “homens exemplares” que a Palavra de Deus está enraizada, homens que proclamam no poder do Espírito (vide Ts 1:6 e 1:5). Além disso, seguir o exemplo de um homem envolve necessariamente a aceitação de seus ensinamentos (vide I Co 11:1, 2)

3. Pela Experiência: Também aprendemos enquanto fazemos, aprendemos a obedecer enquanto obedecemos. Santificação gera mais santificação. Quando apresentamos os nossos corpos em sacrifício vivo, nós descobrimos a vontade de Deus (Rm 12:1,2 - ou seja, por descobrirmos a vontade de Deus, passamos a vivenciá-la) (Ef 5:08-10, 15-17; Cl 1:10; Fl 1:09,10). À medida que usamos os dons espirituais, nós recebemos o “exercício” (gymnazo) necessário para distinguir o que é divino e o que é demoníaco (Hb 5:14). Nós precisamos da experiência da Palavra (Hb 5:13). Assim, mais uma vez, essa forma de aprendizagem não se opõe à aprendizagem da Palavra. Pelo contrário, esta é a forma pela qual a Palavra nos ensina.
Por obedecermos à Palavra, vemos mais claramente o que a Palavra significa e desenvolvemos uma maior habilidade de vivermos em conformidade com ele, no entanto ela não pode ser estudada como se fosse meramente um texto acadêmico. Deve ser estudada de forma intensa. Não devemos entender as Escrituras e obedecê-las posteriormente, pois a obediência e compreensão são simultâneas e se complementam mutuamente. Ensinar, “por palavra”, “pelo exemplo” e “pela experiência” são ministérios da Palavra de Deus. Através desses ministérios é que aprendemos a obedecer à Palavra no contexto da vida.

B. Treinamento para o Ministério é um trabalho da Igreja

Nós temos visto que o treinamento para o ministério é pelo ensino da Palavra de Deus e pelos efeitos que ela exerce sobre a vida humana. Quem é qualificado para ensinar a Palavra? As Escrituras respondem claramente: Mestres da igreja. Mestres da Palavra são dados pelo Espirito Santo à Igreja para que esta seja edificada como Corpo (Ef 4:11, no contexto de Ef 4:4-16, Rm 12:5-7, I Co 12:27). Os Mestres da igreja tem o status de “anciãos”[1] e têm o direito de receberem remuneração da igreja (I Tm 5:17). Para ensinar um mestre da Palavra, o professor também deve ser um mestre da Palavra e é a igreja, conforme o Novo Testamento, quem reconhece, administra e recebe os benefícios do ensino da Palavra. Um seminário que não “faz o trabalho da igreja” também “não treina homens para o ministério”.


III. A proposta

Inicialmente proponho a extinção permanente de qualquer modelo acadêmico: graus, créditos, ou pesquisas acadêmicas. Não estou dizendo que a instrução acadêmica não tenha nenhuma importância na formação ministerial, pelo contrário, provavelmente será indispensável em algumas áreas como, por exemplo, línguas bíblicas. Também não alego que o sistema de notas, carga horária ou grau não tenha importância para a educação teológica. Obviamente, supondo dois homens com iguais características, aquele com boas notas apresentará tendência a ser um melhor ministro do que aquele que não cursou.
                                                                                                                         
O problema é que, no entanto,  não existe algo como “características iguais” para que se possa distinguir as “outras características excedentes” como foi feito no exemplo acima, logo se deve analisar exatamente as coisas mais importantes, mais essenciais para a formação de um mestre. Infelizmente, a engrenagem acadêmica é incapaz de mensurar as coisas que realmente importam - a obediência de um homem à Palavra de Deus, a sua perseverança na oração, seu autocontrole, a capacidade para governar sem orgulho, o poder espiritual das suas pregações e a eficácia das mesmas na conversão dos homens e na edificação da igreja. Quando um seminário coloca seus esforços em coisas tais como recrutar Ph.D’s para compor seu corpo docente, manutenção de programas com graus “respeitáveis” (presumo ser em relação aos padrões de Harvard ou Yale), determinação de  “carga horária semestral”, na verdade estará desviando a atenção de sua real finalidade.

Ainda mais importante é o fato desses seminários transmitirem uma falsa impressão (para as igrejas, para os seus alunos e para si próprio) sobre a forma como se chega ao “conhecimento de Deus”. Um homem não se torna um ministro qualificado pela escrita de bons trabalhos ou pela memorização de todo o material suficiente para ser aprovado em todos os exames acadêmicos.

Dar essa impressão, como as “Academias” teológicas fazem é encorajar um orgulho por aprender um mero conhecimento que “incha” (I Co 8:1). Trata-se do mesmo gnosticismo que levou a igreja para longe da verdade da Palavra de Deus no passado.

Vamos manter as “academias” com o objetivo específico de ensinar línguas bíblicas? Se fizermos, ao menos teremos uma clara certeza acerca do estreito propósito dessas academias. Não poderão mais alegar estar preparando ou qualificando homens para o ministério do evangelho ou, melhor, não poderão defender que seus graus e cursos são capazes de mensurar e atestar tal qualificação. Não poderão nem mesmo reclamar para si o direito de ensinar a Palavra de Deus nos moldes do item II deste texto. Além do mais, manter tais “academias” levaria inevitavelmente a uma educação teológica fragmentada, pois os homens aprenderiam a história da igreja em um lugar e adquiririam a qualificação espiritual em outro e isso faria com que a história da igreja parecesse irrelevante para o desenvolvimento de um caráter divino. Finalmente, ainda que mantivéssemos as “academias” para essa única finalidade, ainda enfrentaríamos a grande questão: Como os homens serão realmente treinados para o ministério? Considerando todo o exposto, em minha visão, é melhor começar tudo de novo.

Vamos considerar uma alternativa positiva. A igreja ou denominação (item II, C) estabelece uma espécie de “comunidade cristã”, onde os professores, os candidatos ministeriais e suas famílias vivem juntos, comem juntos, trabalham juntos e onde todos se conhecem de fato, onde suas vidas (seus hábitos, seu temperamento, seus talentos, seus amores, seus ódios, suas lutas, sua santidade ou a ausência dela) são conhecidas de todos. Os professores e antigos estudantes seriam os “exemplos” para os novatos e os novatos estariam sob o escrutínio dos mais velhos. Não se trata de uma comunidade monástica, mas sim de uma comunidade que se mobiliza para estabelecer e fortalecer igrejas em toda a localidade. Cada professor, estudante, mulher e criança devem estar profundamente envolvidos no trabalho de desenvolvimento de igrejas, através de visitação, estudos bíblicos no bairro, reuniões públicas, pregação nas ruas e, em seguida (como igrejas estabelecidas), escola bíblica dominical, trabalho de pregação aos jovens, administração da igreja, etc.

Os professores deverão ter experiência no ministério pastoral e/ou evangelístico. A maior qualidade para um professor é que ele saiba “passar o ensinamento” (II Tm 2:2). Competências acadêmicas especiais são desejáveis, no entanto há mais homens capazes de ensinar a outros sem essa competência acadêmica específica do que sem ela e que conseguem ser bem mais qualificados para essa função. Ademais, provavelmente PhD’s são muito inexperientes para o tipo de ensino já discutido no item II B acima.

O melhor candidato para a função de mestre em nossa comunidade é um pastor que tem treinado os anciãos e a igreja, de modo que o trabalho de ensino e evangelismo é amplamente difundido em toda a congregação. Obviamente, alguém na comunidade tem que saber hebraico! Como eu descrevi anteriormente, um professor capaz de ensinar a quantidade de hebraico necessária para o exercício do ministério.

Nenhum estudante deverá ser admitido a menos que possa fazer uma crível profissão de fé em Cristo. Naturalmente, às vezes, os não-cristãos poderão participar da vida da comunidade e isso será útil, no entanto nunca poderão ser matriculados em um programa de treinamento. Os candidatos também devem mostrar prima facie a sua chamada para o ministério (ex: testemunho de um pastor reconhecendo esse chamado ou mesmo uma sessão solene).

Ao chegar à comunidade, o estudante gastará parte do seu tempo em trabalho braçal por todo o edifício e pelos jardins. Ele vai ter que manifestar o fruto do Espírito, diante de todos, antes que seja aceito como um candidato pleno ao ministério. A comunidade avaliará a qualidade de sua vida devocional, a sua contribuição “leiga” para os trabalhos da igreja, o seu testemunho perante não-cristãos e, principalmente, sua capacidade de aceitar a correção dos anciãos. Sessões intensivas de aconselhamento tentarão descobrir o pecado não confessado e traços de caráter que poderão ser prejudiciais para o ministério. Será observada a qualidade do seu arrependimento.

Uma vez que a comunidade verifique a possibilidade de um chamado para o ministério sobre a vida daquele indivíduo, ele será formalmente matriculado no programa. Ele deverá ser treinado em evangelismo, visitação, passará por bairros com um professor ou com um aluno mais velho e habilidoso. Gradualmente ele progredirá para outras fases do ministério: Pregação nas ruas, aulas em classes bíblicas em vários níveis, eventualmente poderá pregar a partir do púlpito e finalmente exercerá o trabalho pastoral entre os membros da igreja e assumirá responsabilidade de administração da igreja.

Ele fará todas essas coisas nas igrejas que escolheram esse “seminário”. Ele assumirá posições de maior responsabilidade na medida em que os professores e a própria igreja o considera apto para tal.

Concomitantemente o indivíduo começa seus estudos nas matérias teológicas formais.

Em primeiro lugar, sugiro um curso “intensivo” de grego, tendo foco no estudo do Novo Testamento, exegese, história e teologia. Durante esse período, a sua pregação e ensino seria baseado nos textos do Novo Testamento. Em seguida, o mesmo se aplicaria para o idioma hebraico e para o texto do Antigo Testamento. Posteriormente, seria estudada a Teologia Sistemática com base nos estudos anteriores da Bíblia já realizados. Finalmente se adentraria na história da igreja e apologética, analisando a cultura contemporânea à luz da Palavra.

Professores e alunos mais velhos devem estar constantemente envolvidos no trabalho de supervisionar os mais jovens no desempenho de suas funções. Um professor frequentemente se sentará na classe bíblica do seu aluno e depois deverá avaliá-lo juntamente com ele próprio. Como estudantes que progridem, eles serão cada vez mais solicitados para ajudar no trabalho de ensino e administração do programa: a habilidade de “mestre do ensino” também é crucial para o ministério. Esposas e filhos dos estudantes também estarão sujeitos à formação e avaliação, pois muitos ministérios afundaram porque a mulher ou a criança dificultaram o testemunho do indivíduo.

A questão discutida para a formatura não é a carga-horária cumprida. Professores e alunos mais velhos envolvidos no ensino, se reunirão periodicamente para intensa avaliação do progresso de cada aluno em suas vidas, habilidades e conhecimentos. Esses encontros determinarão se um homem deverá ser excluído do programa de treinamento (seja por causa de dúvidas acerca do seu chamado para o ministério ou por dúvidas acerca da eficácia do programa para lidar com os problemas do aluno) ou se será promovido a novos níveis de responsabilidade ou, ainda, se se tornará um “graduado” e recomendado à igreja para o ministério.  Nenhum homem se graduará a menos que os professores estejam convencidos de que ele tem o caráter, habilidades e conhecimento que as Escrituras exigem de um oficial da igreja.

Note que se trata apenas de uma proposta, uma direção na qual podemos nos mover.

Creio que podemos nos mover nessa direção por se tratar de uma direção bíblica, um sentido bíblico.

Post Script, 1979


Escrevi essa proposta em 1972 e ela foi finalmente publicada apenas no ano passado (Journal of pastoral practice II/1, Winter, 1978,10-17) após haver sido rejeitada por outros seis periódicos cristãos. Nos últimos sete anos, tive valiosos feedbacks que me fizeram repensar toda a ideia. Ainda estou fortemente comprometido com a minha proposta básica, mas eu gostaria de fazer alguns esclarecimentos e acréscimos:

1.1. Eu deveria ter sido mais claro ao dizer que vejo o “novo seminário” como igreja, não como uma organização para-eclesiástica ou algo semelhante. A última ideia que expus parece colidir com o que afirmei na parte II. Na verdade, é uma igreja com ministros e presbíteros, diáconos, homens, mulheres, meninos e meninas, como qualquer outra igreja, diferenciando-se apenas em seu foco que seria a formação do ministro, algo como um “programa especial”. Esse programa especial os envolveria na plantação de igrejas (muito embora isso pudesse ser feito também sem esse programa especial) e esse programa deveria ser subsidiado, ajudado, etc, por presbitérios e por outras igrejas. Não é um programa menor da igreja. Os alunos são ensinados da mesma forma que nós somos ensinados na igreja.

2.2. Atualmente estou um pouco menos inclinado para a visão do “comunitarismo”, pois há importantes valores para a privacidade também. Se a igreja (no molde acima) é uma boa igreja, os alunos irão partilhar o suficiente de suas vidas para que os ministros da igreja sejam capazes de avaliá-lo, tanto em suas vidas como em sua doutrina. Talvez seja melhor haver um sistema menos monástico do que aquele que descrevi na “Proposta”. Que os alunos vivam no mundo juntamente com os não-cristãos, tal como o restante da igreja faz. Apesar de tudo, é o mundo real e, contudo, o trabalho e o companheirismo com os companheiros crentes será realmente necessário para que aprendam a carregar os fardos uns dos outros. Não é algo além daquilo que a igreja deveria fazer.

3.3. Uma pergunta que me tem sido feita com certa frequência é: O que acontece com a erudição cristã sob esse sistema? Como pode uma igreja centrada, com ministros centrados no treinamento teológico, produzir um Warfield ou um Bavinck? A primeira coisa é que nosso atual sistema não faz um bom trabalho, pois nossas escolas teológicas se ocupam de forma ampla em fazer algo diverso daquilo que foram equipadas para fazer, ou seja, não conseguem “gerar” ministros treinados.

Isso é ruim para os alunos e ruim para os estudiosos, pois esses passam a ter menos tempo para dedicar-se às bolsas acadêmicas. É como se todos os profissionais da matemática se envolvessem em tempo integral na formação de contadores. Minha sugestão é de que pudéssemos ter bolsas de “centro-treinamento-acadêmico”, algo semelhante ao centro de treinamento ministerial (“Proposta”). Enquanto este buscaria formar ministros, aquele buscaria formar estudiosos capazes de treinar outrem (seja ministro ou não). Estamos voltando à dicotomia entre teologia e igreja, teologia e ministério ou teologia e vida? Não! Ambos sistemas de bolsa farão parte da igreja e deverão servir a ela. Como um exemplo, o formado pelo “Centro de treinamento Acadêmico” poderia ministrar a Palavra enquanto trava um debate com os estudiosos não-cristãos em um ambiente universitário. Ensinaria Teologia de forma “prática”, como parte da vida e para isso seria primeiro necessário reconhecer os dons e preocupações daqueles que estão mais inclinados e possuem talentos mais acadêmicos.

Não quero dizer com isso que os estudiosos da igreja não devam estudar em uma universidade. Há um lugar para isso também, contudo, a maioria dos estudiosos deve estar bem fundamentada na Palavra antes de ir estudar filosofia, história ou povos semitas. Essa é a razão porque muitos vão agora para os seminários antes de irem para a Universidade. O que estou dizendo é que em vez de alguém ir para o seminário tradicional, acaba sendo mais vantajosa a estruturação de uma comunidade conforme descrita no texto.

Post Script, 2001


É difícil crer que já se passaram mais de 30 anos desde que escrevi esse artigo. Também é divertido para mim ver o que eu dizia quando era mais novo, mais ousado, mais radical. Provavelmente já amadureci desde aquela época, mas meu coração ainda está na “Proposta”. Meu texto não tem sido aclamado, mas tem gerado um suficiente interesse para que vez por outra eu reanalise o conteúdo e perceba que ele tem um “cult”.

O que eu descrevi no artigo pode ter sido um pouco exagerado, sendo que hoje há um conjunto de tentativas para ir além do modelo acadêmico de educação teológica. Atualmente, um grande número de igrejas tem seu próprio seminário. Na minha própria “Igreja Presbiteriana da América” [ PCA - Presbyterian Church of American], há o Knox Seminary, associado à Igreja Presbiteriana Coral Ridge e seminários associados à “Spanish River Presbyterian Church” em Boca Raton, Fl, e “Briarwood Presbyterian Church” em Birmingham, Alabama.  Os dois últimos, eventualmente, oferecem cursos com créditos acadêmicos ministrados por professores do Seminário Teológico Reformado [RTS – Reformed Theological Seminary]. Fazem uma séria tentativa de integrar o treinamento prático e teológico.

Por outro lado, alguns seminários tradicionais tem feito um bom trabalho na preparação de homens para o ministério. Talvez eu tenha exagerado em 1972 ao falar sobre as deficiências dos seminários. Atualmente, eu ficaria feliz em ter meus filhos estudando no “Reformed Theological Seminary” se Deus desejar guiá-los por esse caminho. Há, contudo, outros seminários e eu os recomendaria fugir daqueles que se parecem pragas. Podemos e devemos fazer melhor.

Quanto a mim, eu sempre ensinei em um seminário tradicional, acadêmico e provavelmente o farei pelo resto da vida. Isso é o que sou dotado para fazer. Eu não creio que seria um bom professor aos moldes da escola mencionada na “Proposta”. Eu não tenho habilidade com pessoas. Minhas habilidades parecem ser meramente acadêmicas, mas meu interesse é, em grande parte, de ordem prática. Eu vivo essa tensão. Eu sei que não seria bem sucedido na tentativa de iniciar um seminário seguindo “a proposta” ou mesmo na tentativa de arrecadar fundos para ele. As questões econômicas do treinamento teológico é um assunto que precisa ser explorado nesse contexto e digo que não sou o único a fazê-lo. Será que há alguma forma de as pessoas se moverem no apoio do treinamento teológico como são movidos muitas vezes nos apelos para apoiar missões? Algo parecido com isso precisaria acontecer se as igrejas desejassem se tornar seminários no estilo da minha proposta.



[1] Ancião é a tradução para o termo grego πρεσβυτερος (presbyteros). O conceito não está ligado à idade do indivíduo, mas sim a sua maturidade, experiência e demais características que sejam capazes de qualificá-lo como um exemplo a ser seguido.


Autoria: Dr. John Frameprofessor de teologia sistemática e filosofia no Reformed Theological Seminary em Orlando, após ter servido por 31 anos como professor no Westminster Theological Seminary, Califórnia.

Tradução: Renan Almeida

Revisão: Fabio Farias


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