Uma proposta para um novo Seminário
John Frame
I. A Situação
Nos primeiros dias do Protestantismo Americano, o
treinamento ministerial dos candidatos era realizado pelos pastores das
igrejas.
Um jovem ao sentir o chamado de Deus para o
ministério se associaria ao pastor da igreja, seria treinado por ele,
participaria dos trabalhos da igreja e talvez até passasse a viver na casa do
pastor.
Eu não estou bem certo sobre qual o motivo que levou
este método a ser tido por inadequado. Talvez tenha nascido de uma eventual
escassez de ministros dispostos e capazes de se responsabilizarem pelos
estudantes de teologia ou talvez, com o aumento da taxa de alfabetização, tenha
aumentado as exigências das congregações que passaram a
desejar um clero com uma educação formal - um “ministério qualificado”, como se costumava dizer. De
qualquer modo, por um ou outro motivo, a formação teológica foi institucionalizada
e academizada. A adoção de um modelo
acadêmico foi quase inevitável. Na Alemanha, a educação teológica passou a ser
feita por meio de Universidade e, de fato, geralmente este é o único modelo
reconhecido disponível para a formação institucionalizada em qualquer campo do
conhecimento.
Em 1848, após 34 anos como membro do conselho do
Seminário Teológico de Princeton, o Rev. Gardner Spring escreveu um livro de
nome “O Poder do Púlpito”, no qual comparou a geração de ministros treinados
nos seminários com aqueles mais velhos que foram treinados pastoralmente. Muito
embora Spring não tivesse interesse em voltar o relógio do tempo (ele percebia
a impossibilidade de dissolver os seminários e retornar ao sistema antigo),
posto que também encontrava-se profundamente comprometido com o seu trabalho em
Princeton, ele, de forma relutante, concluiu que a geração mais antiga era
notavelmente superior em espiritualidade e maturidade do que aquela treinada em
seminários.
Ele defendia que (1) o seminário deveria manter
uma supervisão, não apenas sobre o progresso acadêmico dos estudantes, mas
também sobre o desenvolvimento social e espiritual dos mesmos; (2) que o corpo
docente deveria ser constituído por homens de vasta experiência pastoral; (3)
que nenhum estudante deveria ser ordenado ao ministério sem antes gastar algum
tempo de aprendizado com um pastor experiente.
Não poucas vezes o ano de 1848 foi descrito nos
livros de história como “o ano das revoluções”, no entanto a revolução de
Gardiner Spring na educação ministerial fracassou rapidamente. Aos poucos os seminários
se tornaram elementos mais acadêmicos, não menos.
Este desenvolvimento foi naturalmente necessário
caso os seminários desejassem manter a respeitabilidade dos padrões acadêmicos
cada vez mais crescentes no mundo. Alguns, no entanto, apresentaram uma
justificativa teológica para este desenvolvimento: Treinamento espiritual é
trabalho da igreja, não de uma instituição acadêmica; seria ilegítimo exigir
que o seminário introduzisse em seus currículos nutrientes espirituais para
sanar a deficiência do trabalho da igreja local. No que concerne à contratação
de professores com experiência pastoral, bem… isso às vezes acontecia e
permanece acontecendo. Contudo, com o passar dos anos, tornou-se cada vez mais
difícil para um homem ser pastor e concomitantemente um notável estudioso,
desta forma os seminários foram forçados a escolher e optaram pelo último. A
ideia de Spring foi reavivada recentemente após um longo período de repouso. A
maioria dos seminários modernos tem a exigência de “práticas de trabalho” ou
“ano de estágio”.
O fato é que ninguém foi bem sucedido até hoje em
explicar como fazer com que essas experiências educacionais sejam algo além de
meras demonstrações de incompetência ou mesmo mensurar a eficácia de tais
programas. Os resultados deste tipo de formação não têm sido encorajadores para
mim.
Enquanto o seminário se recusa a “fazer o
trabalho da igreja”, a igreja assume que o seminário está fazendo um trabalho
completo de treinamento ministerial. Como resultado os jovens não recebem
formação em muitas áreas cruciais. Muitas vezes, mesmo em cursos “práticos”,
como os de educação e missões cristãs, os alunos são treinados como estudiosos
e não como ministros (qualificações para duas vocações, são de fato diferentes,
muito embora haja uma sobreposição). A maioria nem ao menos se tornam bons
estudiosos capazes de pensar e fazer pesquisas de nível acadêmico. Essa
formação dita “acadêmica” somente transforma os alunos em presas fáceis de
novos modismos teológicos que ostentam apoio acadêmico.
Além disso, os temas “acadêmicos” estudados não
estão claramente relacionados com o trabalho prático do ministério (ou mesmo
entre si), de modo que o conhecimento dos graduados nos seminários, muitas
vezes consiste em uma série de fragmentos não relacionados. O pior de tudo, ao
que me parece, é que a maioria dos diplomados dos seminários não são
espiritualmente preparados para os desafios do ministério. Seminário não só
frequentemente se “recusam a fazer o trabalho da igreja”, mas também tendem a
desfazê-lo. Os alunos que chegam com a expectativa de encontrar uma espécie de
“estufa espiritual” acabam passando por um verdadeiro teste de fé. A carga de
trabalhos acadêmicos, os cursos inúteis e sem inspiração, as agonias financeiras, os professores ocupados, os colegas
que também vivem pressionados, enfim, tudo contribui para o enfraquecimento
espiritual. Conheço um número de alunos que pararam de ir à igreja enquanto
estavam no seminário e outros que andam de igreja em igreja em busca de uma
verdadeira e frutífera comunhão cristã; eles estão dispostos (alguns diriam que
“não”) a darem o máximo de si mesmos para os outros a fim de que essa comunhão se
faça possível.
Novos modelos de educação teológica aparecem
sempre com a promessa de amenizar, pelo menos, alguns dos males acima
referidos. Os “seminários de rua” do Chile são um interessante desenvolvimento,
mas, como afirma C. Peter Wagner, eles tendem a ser fortes na comunicação de
habilidades pastorais, no entanto fracos na comunicação do conteúdo bíblico. A
‘Casa de Farel’ de Francis Schaeffer, Suíça, tem muito a nos ensinar, em minha
opinião, sobre como equilibrar a instrução teórica e prática, porém a “Casa de
Farel” não ensina como estabelecer e nutrir igrejas.
O sistema de “Coral Ridge” de treinamento em
evangelismo é aquele que, com modificações, poderia melhorar o currículo de
muitos seminários. Outros tipos de formação, ainda menos tradicionais, como o
“Jesus People communes” também são dignos de estudos. No outro extremo
deveríamos pensar sobre a abordagem mais antiga e “tradicional” de todas -
educação teológica na casa do pastor, vivendo com ele. Minha própria proposta
deve (III abaixo) algo a cada uma delas. Todavia, antes de adotar uma nova
abordagem para a formação ministerial, devemos ser claros sobre o que estamos
tentando fazer e por que queremos. Para
isso, é necessário primeiramente voltar às Escrituras.
II. Alguns princípios bíblicos
A. As qualificações para o ministério são espirituais.
1. Traços de caráter: É notável que as
qualificações exigidas para os Oficiais da igreja listadas nas Escrituras
(notadamente em I Tm 3:1-13 e I Pd 5:1-3) consistem principalmente em traços de
caráter divino. Essas características são as mesmas daquelas exigidas de todos
os cristãos, portanto não se trata de algo especial e próprio de uma elite
espiritual (note o paralelo de I Tm 3 e Tt 2:01, sendo que essa última passagem
provavelmente é direcionada para homens mais velhos em geral, não aos oficiais
de uma igreja em particular), ainda que
nenhum homem possa seguir o ministério antes de ter essas
características de forma notável. Estas qualidades são representadas em todo o
Novo Testamento como sendo de origem divina, uma vez que se tratam dos “frutos
do Espírito” (Gl 5:22). Sem o Espírito de Deus, esses traços são impossíveis;
Sem Ele, não podemos agradar a Deus (Rm 8:08). O caráter de um ministro é um
dom espiritual.
2. Habilidades: Um oficial da igreja é também
aquele que pode fazer certas coisas. A linha entre aquela e essa última
categoria não é facilmente identificada, pois para ter “bom caráter” é
necessário ser capaz de orar, de resistir tempestades, ser testemunha de
Cristo, agir de forma humilde. Oficiais da igreja têm responsabilidades
específicas: “cuidar do rebanho” (At 20:28; I Pd 5:2) por meio da disciplina e
do ensino (II Tm 4:2; I Tm 5:17; 3:2, 4:16). Capacidade de ensinar e disciplina
são habilidades que um ministro deve possuir em alto grau e estas habilidades
também são dons do Espírito (Rom 12:7-8).
3. Conhecimento: Finalmente, se um homem ensina
acerca de Deus e em Seu nome, deve ele conhecer tanto a Deus quanto a sua
Palavra (Tt 1:9, II Tm 3:14-17; I Jo 5:13-21). “Conhecimento de Deus”,
“conhecer o Senhor”, “Conhecimento da verdade” nas Escrituras não se tratam de
meras realizações acadêmicas. “Conhecer a Deus” é servir ao pacto estabelecido
por Ele e, portanto, ser também obediente (Jr 22:16). Desta forma, o
“conhecimento de Deus” é também um traço do caráter cristão e este entendimento
pactual envolve também um conhecimento mais básico: “Sobre quem é Deus e o que
ele diz e faz”. Todo o conhecimento cristão, seja no sentido informativo ou em
um sentido mais amplo, é também um dom do Espírito Santo (I Co 2:11, 12:08).
B. Treinamento
para o Ministério é um Ministério da Palavra
Nós temos aprendido que o Espírito qualifica seus
ministros com as qualidades, habilidades e conhecimentos necessários para o
desempenho do trabalho ministerial. Não devemos, no entanto, concluir que essas
qualidades não podem ser ensinadas. O Espírito usa muitos meios para doar e
ampliar os dons dos homens e por isso a Escritura nos exorta constantemente:
“esforça-te para” (I Co 12:31) e “desperta” (II Tm 1:06; I Tm 4:14) os dons
divinos. As Escrituras assumem que o caráter, habilidades e conhecimentos
necessários podem ser ensinados, mas
apenas em seus aspectos não-espirituais.
1. Pela
Palavra: Os dons do Espírito vêm sobre aqueles que ouvem e obedecem a Palavra
de Deus (At. 10:44; I Co 2:4 e 12; Ef 1:13 e 6:17; I Ts 1:5; I Pd 4:6; I Jo
3:24; I Co 14:37). A Palavra é a força do Espírito para alcançar este propósito
(I Co 2:04; I Ts 1:5). É a Palavra de
Deus que é capaz de nos tornar “completos e perfeitamente habilitados para toda
boa obra” (I Tm 3:17). A própria Bíblia é a instrução verbal do caráter
cristão, habilidades e do conhecimento (novamente, II Tm 3:15-17). É a palavra
quem nos leva a Cristo (Jo 5:46, 20:31) que é a fonte de todos esses dons (Ef
4:7-16, I Co 1:30, Col 2:9,10). Deus também concede à Igreja os Mestres que são
capazes de transmitir a Palavra de Deus a seus ouvintes (Ef 4:11; Tt 2:03). O
dever desses mestres é ensinar a “sã doutrina”, o ensino propício à saúde
espiritual (hygiainos) (Tt 1:9).
2. Pelo
Exemplo: O Mestre não nos ensina apenas pela pregação da palavra, mas
também por sua vida (I Co 4:16; 11:01, Fl 3:17,4:9, I Ts 1:06, II Ts 03:09, I
Tm 4:12, II Tm 03:10, Tt 2:7, I Pe 5:03). Na verdade, isso não é uma segunda
forma de ensino, mas sim uma extensão da primeira, pois é nos “homens
exemplares” que a Palavra de Deus está enraizada, homens que proclamam no poder
do Espírito (vide Ts 1:6 e 1:5). Além disso, seguir o exemplo de um homem
envolve necessariamente a aceitação de seus ensinamentos (vide I Co 11:1, 2)
3. Pela
Experiência: Também aprendemos enquanto fazemos, aprendemos a obedecer
enquanto obedecemos. Santificação gera mais santificação. Quando apresentamos
os nossos corpos em sacrifício vivo, nós descobrimos a vontade de Deus (Rm
12:1,2 - ou seja, por descobrirmos a vontade de Deus, passamos a vivenciá-la)
(Ef 5:08-10, 15-17; Cl 1:10; Fl 1:09,10). À medida que usamos os dons
espirituais, nós recebemos o “exercício” (gymnazo)
necessário para distinguir o que é divino e o que é demoníaco (Hb 5:14). Nós
precisamos da experiência da Palavra (Hb 5:13). Assim, mais uma vez, essa forma
de aprendizagem não se opõe à aprendizagem da Palavra. Pelo contrário, esta é a
forma pela qual a Palavra nos ensina.
Por obedecermos à Palavra, vemos mais claramente
o que a Palavra significa e desenvolvemos uma maior habilidade de vivermos em
conformidade com ele, no entanto ela não pode ser estudada como se fosse
meramente um texto acadêmico. Deve ser estudada de forma intensa. Não devemos
entender as Escrituras e obedecê-las posteriormente, pois a obediência e
compreensão são simultâneas e se complementam mutuamente. Ensinar, “por
palavra”, “pelo exemplo” e “pela experiência” são ministérios da Palavra de
Deus. Através desses ministérios é que aprendemos a obedecer à Palavra no
contexto da vida.
B. Treinamento
para o Ministério é um trabalho da Igreja
Nós temos visto que o treinamento para o
ministério é pelo ensino da Palavra de Deus e pelos efeitos que ela exerce
sobre a vida humana. Quem é qualificado para ensinar a Palavra? As Escrituras
respondem claramente: Mestres da igreja. Mestres da Palavra são dados pelo
Espirito Santo à Igreja para que esta seja edificada como Corpo (Ef 4:11, no
contexto de Ef 4:4-16, Rm 12:5-7, I Co 12:27). Os Mestres da igreja tem o status de “anciãos”[1]
e têm o direito de receberem remuneração da igreja (I Tm 5:17). Para ensinar um
mestre da Palavra, o professor também deve ser um mestre da Palavra e é a
igreja, conforme o Novo Testamento, quem reconhece, administra e recebe os
benefícios do ensino da Palavra. Um seminário que não “faz o trabalho da
igreja” também “não treina homens para o ministério”.
III. A proposta
Inicialmente proponho a extinção permanente de
qualquer modelo acadêmico: graus, créditos, ou pesquisas acadêmicas. Não estou
dizendo que a instrução acadêmica não tenha nenhuma importância na formação
ministerial, pelo contrário, provavelmente será indispensável em algumas áreas
como, por exemplo, línguas bíblicas. Também não alego que o sistema de notas, carga
horária ou grau não tenha importância para a educação teológica. Obviamente,
supondo dois homens com iguais características, aquele com boas notas
apresentará tendência a ser um melhor ministro do que aquele que não cursou.
O problema é que, no entanto, não existe algo como “características iguais”
para que se possa distinguir as “outras características excedentes” como foi
feito no exemplo acima, logo se deve analisar exatamente as coisas mais
importantes, mais essenciais para a formação de um mestre. Infelizmente, a
engrenagem acadêmica é incapaz de mensurar as coisas que realmente importam - a
obediência de um homem à Palavra de Deus, a sua perseverança na oração, seu autocontrole,
a capacidade para governar sem orgulho, o poder espiritual das suas pregações e
a eficácia das mesmas na conversão dos homens e na edificação da igreja. Quando
um seminário coloca seus esforços em coisas tais como recrutar Ph.D’s para
compor seu corpo docente, manutenção de programas com graus “respeitáveis”
(presumo ser em relação aos padrões de Harvard ou Yale), determinação de “carga horária semestral”, na verdade estará
desviando a atenção de sua real finalidade.
Ainda mais importante é o fato desses seminários transmitirem uma falsa impressão
(para as igrejas, para os seus alunos e para si próprio) sobre a forma como se
chega ao “conhecimento de Deus”. Um homem não se torna um ministro qualificado
pela escrita de bons trabalhos ou pela memorização de todo o material
suficiente para ser aprovado em todos os exames acadêmicos.
Dar essa impressão, como as “Academias”
teológicas fazem é encorajar um orgulho por aprender um mero conhecimento que
“incha” (I Co 8:1). Trata-se do mesmo gnosticismo que levou a igreja para longe
da verdade da Palavra de Deus no passado.
Vamos manter as “academias” com o objetivo
específico de ensinar línguas bíblicas? Se fizermos, ao menos teremos uma clara
certeza acerca do estreito propósito dessas academias. Não poderão mais alegar
estar preparando ou qualificando homens para o ministério do evangelho ou,
melhor, não poderão defender que seus graus e cursos são capazes de mensurar e
atestar tal qualificação. Não poderão nem mesmo reclamar para si o direito de
ensinar a Palavra de Deus nos moldes do item II deste texto. Além do mais, manter
tais “academias” levaria inevitavelmente a uma educação teológica fragmentada,
pois os homens aprenderiam a história da igreja em um lugar e adquiririam a
qualificação espiritual em outro e isso faria com que a história da igreja
parecesse irrelevante para o desenvolvimento de um caráter divino. Finalmente,
ainda que mantivéssemos as “academias” para essa única finalidade, ainda enfrentaríamos
a grande questão: Como os homens serão realmente treinados para o ministério?
Considerando todo o exposto, em minha visão, é melhor começar tudo de novo.
Vamos considerar uma alternativa positiva. A
igreja ou denominação (item II, C) estabelece uma espécie de “comunidade
cristã”, onde os professores, os candidatos ministeriais e suas famílias vivem
juntos, comem juntos, trabalham juntos e onde todos se conhecem de fato, onde
suas vidas (seus hábitos, seu temperamento, seus talentos, seus amores, seus
ódios, suas lutas, sua santidade ou a ausência dela) são conhecidas de todos.
Os professores e antigos estudantes seriam os “exemplos” para os novatos e os
novatos estariam sob o escrutínio dos mais velhos. Não se trata de uma
comunidade monástica, mas sim de uma comunidade que se mobiliza para
estabelecer e fortalecer igrejas em toda a localidade. Cada professor, estudante,
mulher e criança devem estar profundamente envolvidos no trabalho de
desenvolvimento de igrejas, através de visitação, estudos bíblicos no bairro,
reuniões públicas, pregação nas ruas e, em seguida (como igrejas
estabelecidas), escola bíblica dominical, trabalho de pregação aos jovens,
administração da igreja, etc.
Os professores deverão ter experiência no
ministério pastoral e/ou evangelístico. A maior qualidade para um professor é
que ele saiba “passar o ensinamento” (II Tm 2:2). Competências acadêmicas
especiais são desejáveis, no entanto há mais homens capazes de ensinar a outros
sem essa competência acadêmica específica do que sem ela e que conseguem ser
bem mais qualificados para essa função. Ademais, provavelmente PhD’s são muito
inexperientes para o tipo de ensino já discutido no item II B acima.
O melhor candidato para a função de mestre em
nossa comunidade é um pastor que tem treinado os anciãos e a igreja, de modo
que o trabalho de ensino e evangelismo é amplamente difundido em toda a congregação.
Obviamente, alguém na comunidade tem que saber hebraico! Como eu descrevi
anteriormente, um professor capaz de ensinar a quantidade de hebraico
necessária para o exercício do ministério.
Nenhum estudante deverá ser admitido a menos que
possa fazer uma crível profissão de fé em Cristo. Naturalmente, às vezes, os
não-cristãos poderão participar da vida da comunidade e isso será útil, no
entanto nunca poderão ser matriculados em um programa de treinamento. Os
candidatos também devem mostrar prima
facie a sua chamada para o ministério (ex: testemunho de um pastor
reconhecendo esse chamado ou mesmo uma sessão solene).
Ao chegar à comunidade, o estudante gastará parte
do seu tempo em trabalho braçal por todo o edifício e pelos jardins. Ele vai
ter que manifestar o fruto do Espírito, diante de todos, antes que seja aceito
como um candidato pleno ao ministério. A comunidade avaliará a qualidade de sua
vida devocional, a sua contribuição “leiga” para os trabalhos da igreja, o seu
testemunho perante não-cristãos e, principalmente, sua capacidade de aceitar a
correção dos anciãos. Sessões intensivas de aconselhamento tentarão descobrir o
pecado não confessado e traços de caráter que poderão ser prejudiciais para o
ministério. Será observada a qualidade do seu arrependimento.
Uma vez que a comunidade verifique a
possibilidade de um chamado para o ministério sobre a vida daquele indivíduo,
ele será formalmente matriculado no programa. Ele deverá ser treinado em
evangelismo, visitação, passará por bairros com um professor ou com um aluno
mais velho e habilidoso. Gradualmente ele progredirá para outras fases do
ministério: Pregação nas ruas, aulas em classes bíblicas em vários níveis,
eventualmente poderá pregar a partir do púlpito e finalmente exercerá o
trabalho pastoral entre os membros da igreja e assumirá responsabilidade de
administração da igreja.
Ele fará todas essas coisas nas igrejas que
escolheram esse “seminário”. Ele assumirá posições de maior responsabilidade na
medida em que os professores e a própria igreja o considera apto para tal.
Concomitantemente o indivíduo começa seus estudos
nas matérias teológicas formais.
Em primeiro lugar, sugiro um curso “intensivo” de
grego, tendo foco no estudo do Novo Testamento, exegese, história e teologia.
Durante esse período, a sua pregação e ensino seria baseado nos textos do Novo
Testamento. Em seguida, o mesmo se aplicaria para o idioma hebraico e para o
texto do Antigo Testamento. Posteriormente, seria estudada a Teologia
Sistemática com base nos estudos anteriores da Bíblia já realizados. Finalmente
se adentraria na história da igreja e apologética, analisando a cultura contemporânea
à luz da Palavra.
Professores e alunos mais velhos devem estar
constantemente envolvidos no trabalho de supervisionar os mais jovens no
desempenho de suas funções. Um professor frequentemente se sentará na classe
bíblica do seu aluno e depois deverá avaliá-lo juntamente com ele próprio. Como
estudantes que progridem, eles serão cada vez mais solicitados para ajudar no
trabalho de ensino e administração do programa: a habilidade de “mestre do
ensino” também é crucial para o ministério. Esposas e filhos dos estudantes
também estarão sujeitos à formação e avaliação, pois muitos ministérios
afundaram porque a mulher ou a criança dificultaram o testemunho do indivíduo.
A questão discutida para a formatura não é a
carga-horária cumprida. Professores e alunos mais velhos envolvidos no ensino,
se reunirão periodicamente para intensa avaliação do progresso de cada aluno em
suas vidas, habilidades e conhecimentos. Esses encontros determinarão se um
homem deverá ser excluído do programa de treinamento (seja por causa de dúvidas
acerca do seu chamado para o ministério ou por dúvidas acerca da eficácia do
programa para lidar com os problemas do aluno) ou se será promovido a novos níveis
de responsabilidade ou, ainda, se se tornará um “graduado” e recomendado à
igreja para o ministério. Nenhum homem
se graduará a menos que os professores estejam convencidos de que ele tem o
caráter, habilidades e conhecimento que as Escrituras exigem de um oficial da
igreja.
Note que se trata apenas de uma proposta, uma
direção na qual podemos nos mover.
Creio que podemos nos mover nessa direção por se
tratar de uma direção bíblica, um sentido bíblico.
Post Script, 1979
Escrevi essa
proposta em 1972 e ela foi finalmente publicada apenas no ano passado (Journal
of pastoral practice II/1, Winter, 1978,10-17) após haver sido rejeitada por
outros seis periódicos cristãos. Nos últimos sete anos, tive valiosos feedbacks que me fizeram repensar toda a
ideia. Ainda estou fortemente comprometido com a minha proposta básica, mas eu
gostaria de fazer alguns esclarecimentos e acréscimos:
1.1. Eu deveria
ter sido mais claro ao dizer que vejo o “novo seminário” como igreja, não como uma
organização para-eclesiástica ou algo semelhante. A última ideia que expus
parece colidir com o que afirmei na parte II. Na verdade, é uma igreja com
ministros e presbíteros, diáconos, homens, mulheres, meninos e meninas, como
qualquer outra igreja, diferenciando-se apenas em seu foco que seria a formação
do ministro, algo como um “programa especial”. Esse programa especial os
envolveria na plantação de igrejas (muito embora isso pudesse ser feito também
sem esse programa especial) e esse programa deveria ser subsidiado, ajudado,
etc, por presbitérios e por outras igrejas. Não é um programa menor da igreja. Os alunos são ensinados da mesma forma que nós somos ensinados na igreja.
2.2. Atualmente
estou um pouco menos inclinado para a visão do “comunitarismo”, pois há
importantes valores para a privacidade também. Se a igreja (no molde acima) é
uma boa igreja, os alunos irão partilhar o suficiente de suas vidas para que os
ministros da igreja sejam capazes de avaliá-lo, tanto em suas vidas como em sua
doutrina. Talvez seja melhor haver um sistema menos monástico do que aquele que
descrevi na “Proposta”. Que os alunos vivam no mundo juntamente com os não-cristãos,
tal como o restante da igreja faz. Apesar de tudo, é o mundo real e, contudo, o
trabalho e o companheirismo com os companheiros crentes será realmente
necessário para que aprendam a carregar os fardos uns dos outros. Não é algo além daquilo que a igreja deveria fazer.
3.3. Uma pergunta
que me tem sido feita com certa frequência é: O que acontece com a erudição
cristã sob esse sistema? Como pode uma igreja centrada, com ministros centrados
no treinamento teológico, produzir um Warfield ou um Bavinck? A primeira coisa
é que nosso atual sistema não faz um bom trabalho, pois nossas escolas
teológicas se ocupam de forma ampla em fazer algo diverso daquilo que foram
equipadas para fazer, ou seja, não conseguem “gerar” ministros treinados.
Isso é ruim para
os alunos e ruim para os estudiosos, pois esses passam a ter menos tempo para
dedicar-se às bolsas acadêmicas. É como se todos os profissionais da matemática
se envolvessem em tempo integral na formação de contadores. Minha sugestão é de
que pudéssemos ter bolsas de “centro-treinamento-acadêmico”, algo semelhante ao
centro de treinamento ministerial (“Proposta”). Enquanto este buscaria formar
ministros, aquele buscaria formar estudiosos capazes de treinar outrem (seja
ministro ou não). Estamos voltando à dicotomia entre teologia e igreja,
teologia e ministério ou teologia e vida? Não! Ambos sistemas de bolsa farão
parte da igreja e deverão servir a ela. Como um exemplo, o formado pelo “Centro
de treinamento Acadêmico” poderia ministrar a Palavra enquanto trava um debate
com os estudiosos não-cristãos em um ambiente universitário. Ensinaria Teologia
de forma “prática”, como parte da vida e para isso seria primeiro necessário
reconhecer os dons e preocupações daqueles que estão mais inclinados e possuem
talentos mais acadêmicos.
Não quero dizer com isso que os estudiosos da
igreja não devam estudar em uma universidade. Há um lugar para isso também,
contudo, a maioria dos estudiosos deve estar bem fundamentada na Palavra antes
de ir estudar filosofia, história ou povos semitas. Essa é a razão porque
muitos vão agora para os seminários antes de irem para a Universidade. O que
estou dizendo é que em vez de alguém ir para o seminário tradicional, acaba
sendo mais vantajosa a estruturação de uma comunidade conforme descrita no
texto.
Post Script, 2001
É difícil crer que já se passaram mais de 30 anos
desde que escrevi esse artigo. Também é divertido para mim ver o que eu dizia
quando era mais novo, mais ousado, mais radical. Provavelmente já amadureci
desde aquela época, mas meu coração ainda está na “Proposta”. Meu texto não tem
sido aclamado, mas tem gerado um suficiente interesse para que vez por outra eu
reanalise o conteúdo e perceba que ele tem um “cult”.
O que eu descrevi no artigo pode ter sido um
pouco exagerado, sendo que hoje há um conjunto de tentativas para ir além do
modelo acadêmico de educação teológica. Atualmente, um grande número de igrejas
tem seu próprio seminário. Na minha própria “Igreja Presbiteriana da América” [
PCA - Presbyterian Church of American], há o Knox Seminary, associado à Igreja
Presbiteriana Coral Ridge e seminários associados à “Spanish River Presbyterian
Church” em Boca Raton, Fl, e “Briarwood Presbyterian Church” em Birmingham, Alabama. Os dois últimos, eventualmente, oferecem
cursos com créditos acadêmicos ministrados por professores do Seminário
Teológico Reformado [RTS – Reformed Theological Seminary]. Fazem uma séria
tentativa de integrar o treinamento prático e teológico.
Por outro lado, alguns seminários tradicionais
tem feito um bom trabalho na preparação de homens para o ministério. Talvez eu
tenha exagerado em 1972 ao falar sobre as deficiências dos seminários. Atualmente, eu ficaria feliz em ter meus filhos estudando no “Reformed
Theological Seminary” se Deus desejar guiá-los por esse caminho. Há, contudo, outros
seminários e eu os recomendaria fugir daqueles que se parecem pragas. Podemos e
devemos fazer melhor.
Quanto a mim, eu sempre ensinei em um seminário
tradicional, acadêmico e provavelmente o farei pelo resto da vida. Isso é o que
sou dotado para fazer. Eu não creio que seria um bom professor aos moldes da
escola mencionada na “Proposta”. Eu não tenho habilidade com pessoas. Minhas
habilidades parecem ser meramente acadêmicas, mas meu interesse é, em grande
parte, de ordem prática. Eu vivo essa tensão. Eu sei que não seria bem sucedido
na tentativa de iniciar um seminário seguindo “a proposta” ou mesmo na
tentativa de arrecadar fundos para ele. As questões econômicas do treinamento
teológico é um assunto que precisa ser explorado nesse contexto e digo que não
sou o único a fazê-lo. Será que há alguma forma de as pessoas se moverem no
apoio do treinamento teológico como são movidos muitas vezes nos apelos para
apoiar missões? Algo parecido com isso precisaria acontecer se as igrejas
desejassem se tornar seminários no estilo da minha proposta.
[1] Ancião é a tradução para o termo grego πρεσβυτερος
(presbyteros). O conceito não está ligado à idade do indivíduo, mas sim a sua
maturidade, experiência e demais características que sejam capazes de
qualificá-lo como um exemplo a ser seguido.
Autoria: Dr. John Frame, professor de teologia sistemática e filosofia no Reformed Theological Seminary em Orlando, após ter servido por 31 anos como professor no Westminster Theological Seminary, Califórnia.
Tradução: Renan Almeida
Revisão: Fabio Farias
.
Comentários
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário!